Por Everton Edvaldo.
O blog Esquina da Teologia Pentecostal entrevista hoje o Pastor Renato Cunha. Ele que é autor do livro "Sob os céus da Escócia" (CPAD), articulista, professor e diretor da Editora Carisma.
1) Pastor Renato Cunha, primeiramente gostaríamos de dizer que é uma honra tê- lo aqui conosco, e que admiramos bastante os trabalhos que o senhor têm desenvolvido e feito nesses últimos anos, principalmente no que diz respeito à contribuição literária e teológica para os continuístas, carismáticos e pentecostais. Dito isto, gostaríamos de saber, quando e o que motivou o senhor a dedicar-se e investir na produção/tradução de livros na área da Paracletologia e Soteriologia?
Pastor Renato Cunha: A honra é toda minha, Everton. Minha gratidão a Deus pelo reconhecimento de muitos irmãos ao meu trabalho em honra ao Espírito do Senhor. Bem, entendo que recebi um chamado. Havia uma grande lacuna no cenário teológico brasileiro que desfavorecia alguns setores importantes do evangelicalismo, especialmente o pentecostal. E muitos se aproveitaram disso. Eu entendi que era hora de reagir no sentido de demonstrar que os carismáticos e pentecostais possuem um legado doutrinário especialmente rico e alicerçado nas Sagradas Escrituras. Os cristãos brasileiros precisavam tomar conhecimento disto.
2) Graças a Editora Carisma, continuístas, carismáticos e pentecostais brasileiros estão acessando em língua portuguesa, muitos livros, autores e posicionamentos que por muito tempo ficaram em oculto. Sem dúvida, é um novo tempo para todos nós e acredito que pelo menos a barreira linguística nós já estamos rompendo. Além deste fato que até então era um desafio, quais outros desafios estão presentes na tradução de um livro para a nossa língua?
Pastor Renato Cunha: Primeiro, toda glória é de Deus que tem levantado a Carisma para cumprir um propósito. Sem ele não faríamos nada, absolutamente nada. Não tínhamos dinheiro, nem pessoal treinado, nem estrutura física. Mas o Senhor fez tudo para provar que sua mão poderosa tem nos conduzido pelo caminho. Até aqui ele tem nos ajudado. Mas um dos principais desafios é a escassez de tradutores especializados. A teologia pentecostal é riquíssima em expressões teológicas muito próprias do movimento. Não basta saber inglês, tem que conhecer o background da teologia pentecostal. Por exemplo, o termo “Spirit Baptism” não se traduz simplesmente como “batismo espiritual”, mas “batismo no Espírito”. É um neologismo próprio do movimento que se apresenta muito mais que um mero verbete. É muitas vezes o âmago do raciocínio que pode ser perdido se o tradutor desconhecer essas questões.
3) Desde que foi fundada, a Editora Carisma, tem trabalhado intensamente na tradução de livros que sejam de boa qualidade, relevantes e de linguagem acessível. Além disso, que mais podemos esperar da Editora Carisma? Existem outros projetos? Vocês pretendem investir também em autores nacionais?
Pastor Renato Cunha: Muitas surpresas. Iremos atuar em outras áreas além da pneumatologia. Negociamos grandes títulos nas áreas da soteriologia, escatologia, filosofia, etc. O leitor da Carisma pode esperar a qualificação do debate teológico no país. Por exemplo, iremos publicar em parceria com a Associação Brasileira de Filosofia da Religião a magnum opus do filósofo calvinista William Alston, sistematizador da epistemologia reformada. Mas por que este livro do Alston, lançado em 1991, é importante para movimentos como o Pentecostalsimo? Porque neste livro Alston trata sobre as percepções humanas da realidade divina a partir de experiências sensoriais na experiência religiosa. É um tiro certeiro nas teses que refutam o pentecostalismo em razão de sua ênfase nas experiências religiosas. Iremos publicar obras de Robert Menzies, Roger Stronstad, Harold Hunter, Donald Dayton. Essa gente é peso-pesado no cenário pentecostal.
4) Na sua obra "Sob os céus da Escócia", o senhor nos mostra detalhadamente, através de um vasto material histórico, como alguns reformados eram continuístas e até como existiram manifestações carismáticas entre muitos destes. Hoje, muitas pessoas associam a reforma ao cessacionismo e o senhor é uma das pessoas aptas para responder esta pergunta: porque no Brasil essa ideia tem se consolidado tanto visto que nos exterior (por exemplo nos Estados Unidos), dezenas de teólogos reformados são continuístas? Seria porque a maioria dos teólogos reformados são cessacionistas ou existe outro motivo?
Pastor Renato Cunha: Esta associação se dá no Brasil por absoluta ignorância histórica. Até mesmo calvinistas, por exemplo, desconhecem que João Calvino recebeu revelação especial extrabíblica. Como o próprio Calvino relata, ele mesmo não sabia explicar o que acontecera, apenas mencionar que ouviu um som inconfundível de que algo muito importante havia acontecido naquela noite. E tudo foi dito por ele na presença de inúmeros ministros que o visitavam em sua casa em Genebra por ocasião de uma enfermidade que o acometia. Estes relatos foram registrados por Beza e por ele mesmo publicados após a morte de Calvino. Fazia parte de uma biografia anexada às Institutas. Mas por alguma razão sombria, este documento foi extirpado das Institutas. Este livro foi inclusive publicado em inglês pela Calvin Translation Society em 1844, a partir de uma tradução da obra original em latim. Deus está trazendo de volta à lume estas coisas. Isso pode ser notado a partir da publicação de livros como o meu. As pessoas estão sendo esclarecidas pelo Espírito do Senhor.
5) Já que falamos em cessacionismo, bem sabemos que cessacionistas pressupõem que se os dons de revelação vigoram ainda nos dias de hoje, um dos princípios da reforma Protestante, (o Sola Scriptura) é ferido severamente. Isto é verdade? É possível ser reformado e ainda assim acreditar em dons de revelação?
Pastor Renato Cunha: Muitos reformados já refutaram essa hediondez. Embora atraente de início, a teoria de que o Sola Scriptura é um princípio que afeta qualquer noção de coexistência com os dons de revelação, é esdrúxula, sem qualquer amparo bíblico. D.A. Carson, Vern Poythress, John Frame, Wayne Grudem, Sam Storms, já escreveram diversos livros renegando a interpretação cessacionista de textos como Hebreus 1, 1 Corintios 13, et al.. Puritanos importantes como George Gillespie e Samuel Rutherford, a meu ver os dois mais importantes delegados na Assembleia de Westminister, escreveram livros e artigos defendendo a possibilidade de revelação especial extrabíblica após o encerramento do Cânon. Mas muitos desconhecem isso. E quando digo muitos, refiro-me à quase totalidade de irmãos calvinistas neste país. Além do mais, a Carisma publicou um livro chamado “Sola Scriptura e os Dons de Revelação” de Don Codling. É a dissertação dele no Westminister Theological Seminary. Um trabalho que calou vozes importantes daquele que ficou conhecido como o maior reduto do academicismo reformado norte-americano. Codling é presbiteriano canadense, uma das mentes mais brilhantes que já conheci. Precisa ser lido, conhecido.
6) É impossível estudar Paracletologia sem enxergar a questão da atuação do Espírito Santo através dos crentes, por exemplo por meios de dons espirituais. Acontece que muitos hoje, tem abusado dos dons espirituais, usando-os de forma irreverente, desequilibrada e sem moderação. Quais recomendações o senhor nos daria para que possamos enfrentar este problema?
Pastor Renato Cunha: É fazer como Paulo fez, porque a mesma autoridade nós temos hoje, ostentamos as mesmas credenciais, seremos cobrados pelas mesmas coisas e princípios. Para isso Deus escolheu uns para pastores, outros para apóstolos, outros para pastores-mestres. Os que ensinam a igreja devem aprender o que a Bíblia diz a respeito dos dons espirituais (todos eles) e ensinar ao povo, sua abrangência, extensão, uso, propósitos. Simples assim. Ora, Paulo não proibiu as manifestações dos dons na igreja de Corinto, que era tão problemática quanto qualquer outra em nossos dias. E olha que os crentes em Corinto precisavam ser ensinados até mesmo sobre as verdades mais básicas da Ceia. Tinha gente abusando em todas as áreas, incluindo na área sexual a ponto de alguém relacionar-se sexualmente com a mulher de seu próprio pai. Mas Paulo fez o que poucos líderes de nosso tempo estão dispostos a fazer. Dedicou seu tempo a ensinar e exercer autoridade entre aqueles que estavam sob sua liderança. Mas isso envolve serviço abnegado, intimidade com o Espírito, paciência com o povo, estudo exaustivo, etc. Entretanto, alguns homens de hoje, que deveriam estar ensinando diligentemente suas igrejas locais, que deveriam jejuar e orar constantemente, que deveriam buscar ardentemente os dons do Espírito, estão mais preocupados com a audiência nas redes sociais. Eu não imagino Paulo perdendo tempo com a maioria das coisas com as quais desperdiçamos tempo hoje. O tempo é um dom gracioso de Deus, especialmente diante da afirmação de que devemos remi-lo para o melhor serviço ao Senhor e sua obra.
7) Alguns cristãos ainda não estão familiarizados com o termo "carismático". Então, gostaríamos saber do senhor, em rápidas palavras, existe diferença de crença entre carismáticos e pentecostais? Ou ambos são a mesma coisa?
Pastor Renato Cunha: Basicamente, um pentecostal e um carismático creem na contemporaneidade de todos os dons do Espírito. As distinções ocorrem mais significativamente em doutrinas como o batismo no Espírito, evidência inicial desse batismo, etc. Por exemplo, todo carismático crê na contemporaneidade do dom de línguas. Mas nem todo ele crê que este dom é a evidência do batismo no Espírito. Então, grosso modo, todo pentecostal é carismático, mas nem todo carismático é um pentecostal.
8) Infelizmente, muitos jovens pentecostais ao perceberem uma falta de equilíbrio nas manifestações espirituais, estão aderindo ao cessacionismo com o uma alternativa que solucione este problema. Ou seja, estão trocando um buraco por um abismo, e nem de longe isso deveria acontecer. Mas neste caso, o senhor acredita que ainda é possível reverter o quadro? Digo, resgatando o pentecostalismo sadio? Ou teria outra alternativa?
Pastor Renato Cunha: As defecções que ocorrem no Pentecostalismo em direção ao cessacionismo são naturais e até esperadas. Elas são benção se entendermos que ensinos como este são purificadores em certo sentido. Veja o que Paulo diz em 1Coríntios 11.19. Ou leia o que o Senhor disse sobre a razão de existir dos falsos profetas no antigo Israel (Dt 13.3). A descrença é companheira contumaz no caminho do povo santo. Ela não se revelou apenas às portas de Canaã.
9) Alguns Pentecostais defendem que a evidência inicial do Batismo com o Espírito Santo é o falar em línguas. Particularmente, o senhor defende esta posição, ou alguma outra?
Pastor Renato Cunha: Eu defendo que é um dom paradigmático, mas não normativo como sinalizador exclusivo do batismo no Espírito. Eu creio que o batismo pode se revelar até mesmo na potencialização de algum dom já recebido. Precisamos entender que os dons têm um propósito, isto é, o de edificar o povo de Deus. Então, a meu ver, o dom de línguas está vinculado a outro dom, o de interpretação, com um propósito: edificar, seja o falante, seja a comunidade de remidos reunida em assembleia. Paulo recomenda a que o falante de línguas ore para que não apenas fale em línguas, mas especialmente para que interprete. O dom de interpretação de línguas, especialmente no culto, serve para validar se tal ou qual pessoa se apresenta falando em línguas, realmente está falando pelo Espírito do Senhor. E com isso, a igreja atente para o que está sendo dito. Mas hoje, qual o teste para confirmar que alguém realmente fala em línguas? Quem hoje pode atestar que a tal ou qual declaração do falante é de fato verdadeira? Logo, muitos obreiros estão sendo ordenados ao ministério sagrado endossados por um testemunho exclusivo daquele que diz falar em línguas. E nem sempre os que dizem falar em línguas, realmente falam em línguas a partir de um dom genuíno do Senhor. No NT os apóstolos certificavam que o dom de línguas era legítimo. Eles expressavam isso claramente. Mas e hoje? Quem está atestando isso? Precisamos de gente santa, guiada pelo Espírito do Senhor, com dom de discernir espíritos, a fim de governar a igreja.
10) Quanto aos dons ministeriais, atualmente, alguns cristãos são chamados de "profetas do Senhor". Então, de um lado, os críticos dizem que não existem mais profetas, e que é errado chamar alguém assim. O que o senhor pensa sobre isso, tendo em vista que no Novo Testamento encontramos o termo "profeta" também sendo atribuído a cristãos?
Pastor Renato Cunha: As pessoas focam demasiadamente no mensageiro, não na mensagem. Há muito desentendimento porque não se tem dado atenção ao que realmente importa. A busca das pessoas também está centrada em ouvir respostas aos seus anseios, não necessariamente ao que o Senhor deseja dizer ou fazer. Quem, dentre nós hoje, tem a mesma disposição de Habacuque? (Hb 2.1). É preciso entender que rotular alguém como profeta do Senhor não há mal algum. O mal está quando prestigiamos mais o mensageiro em detrimento do Senhor da mensagem. É isto que aprendo do texto em que a glória do Senhor fazia resplandecer o rosto de Moisés. Eu penso que era para que as pessoas não idolatrassem Moisés, mas que temessem ao Senhor, que atentassem para sua glória, não que ela desvanecia revelando a dissipação da glória celeste. Por isso Moisés encobria o rosto com um véu para que os israelitas quando vissem seu rosto, vissem a glória resplandecente. Moisés sabia que a percepção visual da glória de Deus manteria animados os israelitas; em razão disto ele cobria o rosto com o véu, a fim de que o povo não visse a glória se desvanecer (Gn 34.33, 35). É a glória do Senhor, não Moisés (nem qualquer outro agente humano), que renova o espírito do povo.
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