Everton Edvaldo
Em qualquer livraria evangélica brasileira, é
natural encontrar pelo menos, um livro que fale sobre Cosmovisão cristã.
Acontece que boa parte dos materiais em Língua-Portuguesa, trazem uma
perspectiva reformada sobre esse assunto. Os Pentecostais muitas vezes, bebem
desse tipo de literatura por falta de opção em língua vernacular, o que nos
leva para a seguinte realidade: há uma escassez de obras que toquem nessa
temática. Mas calma ai... existe essa tal “Cosmovisão Pentecostal?” Sim,
muito embora a teologia pentecostal foque seus debates no papel do Espírito
Santo, nos dons espirituais, batismo no Espírito Santo e Línguas evidenciais,
seria muito simplismo dizer que os pentecostais só têm a contribuir para a área
pneumatológica da teologia. A própria história do Pentecostalismo, atesta que
ao longo dos anos, o movimento Pentecostal estruturou na prática, sua própria
forma de cosmovisão (muito embora a reflexão acadêmica e conceitual seja mais
recente). Mas o que é cosmovisão? É a nossa visão de mundo. A pergunta que devemos fazer é: o que o Pentecostalismo teria de único que o faria ser visto como tendo sua própria
cosmovisão? Bem, atualmente essa expressão tem sido discuta e mencionada com
frequência em obras de teólogos Norte-Americanos. Hoje eu gostaria de falar com
vocês a partir do que escreveu o filósofo Pentecostal J.K. Smith em sua obra “Thinking
in Tongues” (Pensando em Línguas). Vamos lá?
CARATERÍSTICAS
DE UMA COSMOVISÃO PENTECOSTAL
Smith começa sua obra convidando os pentecostais
a desenvolverem sua própria maneira de fazer filosofia e no capítulo dois
trabalha cinco caraterísticas de uma cosmovisão pentecostal. São elas: 1) Uma
posição de abertura radical a Deus, 2) uma teologia "encantada" da
criação e da cultura, 3) uma afirmação não dualista da personificação e da
materialidade, 4) uma epistemologia afetiva, narrativa e 5) uma orientação
escatológica para a missão e a justiça. Smith chega a esses cinco elementos com
base em sua análise da espiritualidade pentecostal. (pp. 33-46). Os próximos
quatro capítulos exploram ainda mais a contribuição do entendimento de Smith de
uma cosmovisão pentecostal em relação às seguintes áreas de estudo:
epistemologia (capítulo 3), metafísica (capítulo 4), filosofia da religião
(capítulo 5) e filosofia da linguagem (capítulo 6).
Smith segue falando da Epistemologia da espiritualidade
Pentecostal. Para ele, ela é apoiada ou precursora de um tipo pós-moderno de
teoria do conhecimento. Nela, a narrativa tem o papel principal de fazer do
pentecostalismo um tipo de contra-modernidade (p. 50) Todos sabemos que os
Pentecostais são os cristãos das histórias e nesse sentido, nos aproximamos
mais da Pós-Modernidade do que da Modernidade. Smith usa a expressão ‘proto-pós-moderna’
na medida em que critica os entendimentos excessivamente cognitivistas da
antropologia e epistemologia inerentes ao racionalismo moderno. Smith ressalta,
com razão, que quando se olha para o culto pentecostal, há uma ênfase distinta
em uma epistemologia afetiva e narrativa.
Além disso, a própria Ontologia Pentecostal é
diferente da Evangélica. Enquanto os Evangélicos aderiram a um sobrenaturalismo
intervencionista onde há um universo fechado que às vezes é invadido por Deus,
nossa contribuição para essa campo seria de que o universo é encantado, uma
realidade cheia do Espírito. Desta forma, o cosmos está cheio da presença e
graça de Deus. Outro erudito pentecostal que trabalha bem essa questão é Amos
Yong, muito embora ele tenha levado para outra direção, em específico na área
do diálogo inter-religioso. Segundo Smith, a nossa ontologia é elástica e
envolve um universo onde o físico e o não-físico são misturados, logo nossa
ontologia possui uma abertura radical, diferente daquela que emerge da
metafísica reducionista naturalista. Ele até admite que os pentecostais
geralmente se apegaram a um modelo sobrenatural intervencionista, mas ele
argumenta que os pentecostais deveriam adotar um naturalismo encantado ou um
sobrenaturalismo não-intervencionista que se alinharia mais consistentemente
com seus compromissos pentecostais. O que está em questão aqui é a rejeição de
Smith de uma estrutura dualística que separa o "natural" do
"sobrenatural". Em vez disso, ele propõe uma visão integrada da
realidade, onde a natureza não é um sistema fechado e autônomo, sem a presença
e a atividade do Espírito de Deus. Nas suas palavras:
“O Espírito já está sempre
presente pela e na criação. A presença do Espírito não é uma
"visita" pós-capsariana ou soteriológica de uma criação que, de outra
forma, não tem Deus; antes, o Espírito já está sempre dinamicamente ativo
no cosmos / mundo / natureza. Deus não precisa 'entrar' na natureza como
visitante e estrangeiro; Deus já está sempre presente no
mundo. Assim, a criação é preparada para a ação do Espírito. (p. 102-103).
Smith também dialoga com Derrida, Polanyi, Michael
Foucault, entre outros, expondo como a crítica pós-moderna atuou no processo de
avaliação da modernidade. Nas suas palavras: "Correndo o risco de cair no
clichê, a crítica pós-moderna da modernidade descobriu que o que muitas vezes
era apresentado como ‘racional’ era o que os homens brancos europeus pensavam
ser uma boa ideia" (p. 57). Obviamente, os Pentecostais não abraçaram tudo
da Pós-Modernidade. Se nela, o conceito de verdade pode ser liquido e não algo
sólido como pontua Bauman, este é um ponto em que os pentecostais ficam
distantes, pois a Bíblia é verdadeira em todas as suas proposições, aponta para
a verdade e não pode ser relativizada.
No último capítulo, o autor propõe como a prática
pentecostal do falar em línguas pode contribuir para a filosofia da linguagem. Nessa
parte algo que me chamou muito atenção foi o reconhecimento das diferenças
entre Lucas e Paulo, e até as distinções no próprio entendimento de Paulo da
função do discurso em línguas. Em geral, os pentecostais reconhecem
diferentes funções do discurso em línguas nas Escrituras e na prática, mas o
que essas funções realmente são e como elas se relacionam com as práticas
contemporâneas continua sendo uma questão muito discutida, tanto na igreja
quanto na academia, muito embora muita coisa já tenha sido dita. Além do mais,
as línguas para Smith, é um idioma de resistência, desenvolvendo dessa forma sua
natureza sócio-política. Ele afirma:
“Como ação,
uma das coisas que o falar em línguas faz é efetivar um tipo de resistência
social aos futuros poderes. Ou talvez devêssemos dizer que o discurso em
línguas é a linguagem das comunidades de fé marginalizadas pelos futuros
poderes, e esse discurso pode ser indicativo de uma espécie de resistência
escatológica aos poderes. Podemos dizer que o proletariado fala em línguas” (p.
147).
UMA PALAVRA PARA O FUTURO
É claro que muita coisa que Smith disse poderia ser melhorada,
mas para isso, as pessoas precisam primeiro entender o que foi dito. Mas será
que os pentecostais brasileiros estão dispostos a dialogar?
A verdade é que se quisermos de fato contribuir para o
debate acerca de uma cosmovisão pentecostal, devemos primeiro compreender não
somente o movimento em si, mas também o que os teólogos, teóricos, filósofos e
apologistas pentecostais tem a dizer. Nos próximos 5 anos seremos bombardeados (graças
a Deus) com uma produção em massa de obras sobre pentecostalismo, escrita por
teólogos nacionais e internacionais. Dada a escassez de obras mais holísticas,
será natural que muitas pessoas estranhem expressões e debates sobre ‘novos
assuntos’ (ou assuntos desconhecidos), por assim dizer. Por isso, gostaria de
deixar alguns conselhos aos meus queridos leitores:
Não veja o pentecostalismo como um sistema fechado que
fala uma única língua. O Pentecostalismo é um movimento plural, de muitas vozes.
Muito embora tenhamos nossa própria identidade, existem aspectos do movimento
que fazem parte da sua diversidade. Compreender a diversidade idiomática do movimento
é crucial para crescer nos seus estudos e principalmente na prática.
Não caia no engodo de achar que tudo que tinha para ser
dito sobre o pentecostalismo, foi dito pelos pioneiros. Muitos pentecostais brasileiros
estranham quando veem uma temática que foi ignorada pelos nossos teólogos
antepassados como perigosa e suspeita. Mas na verdade, não podemos ver a
coisa dessa forma, pois não somos um movimento estático. A nossa teologia está
em movimento e na medida que os problemas mudam, a forma como se responde a
cada um também muda e precisa estar à altura. Sem falar que muitas das coisas que os
pioneiros defenderam lá no início do movimento, hoje não é mais defendida pela
maioria de nós, porque crescemos e evoluímos. O que vejo na tentativa de muitos
que se apegam à tradição, é que eles selecionam apenas aquilo que lhes é comum
e ignoram o restante do contexto. Obviamente, a nossa tradição é importante,
mas não determinante.
Cuidado com aqueles que nunca construíram nada para o
pentecostalismo, mas que se dizem defensores do movimento. Estes, estão
preocupados mais em fazer barulho do que em contribuir de fato para um debate
saudável. Portanto, é muito comum que elas estejam mais preocupadas em rotular
do que em dialogar. Sem falar que adotam posturas de militância, sensacionalismo
e autoritarismo, além de ignorar ameaças iminentes mais urgentes ao movimento.
Tenha senso crítico. Obviamente, você não pode concordar
com qualquer coisa que você lê. Mas certifique-se que você primeiro compreendeu
o que leu, a fim de não cometer injustiças em seus pronunciamentos.
Tente encontrar unidade na diversidade. Aquilo que nos
une deve ser maior do que aquilo que nos separa. Logo, mesmo que você não
concorde com o que o outro diz acerca de um assunto, isso não quer dizer que
ele é seu inimigo.
Enfim, se quisermos construir e contribuir para o debate
acerca da cosmovisão pentecostal, devemos abraçar estes conselhos. Que Deus os
abençoe!
Muito bem elaborado o artigo, e,muito pertinente os apontamentos finais.
ResponderExcluirMinhas sinceras congratulações Sr. Everton Edvaldo!!!
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