Por
Everton Edvaldo
Introdução: Hoje
vamos falar sobre um dos períodos mais gloriosos da igreja primitiva: a
Patrística. Veremos o que foi, quais foram os principais personagens e
escritos, o período em que se estenderam, as divisões, a importância, quantos
escritos deixaram, como devemos estudá-los e quais são os perigos que devemos
evitar ao fazer isso. Esse estudo é uma mistura de história, fé e ação e que
sem dúvida vai agregar edificação à nossa vida. Vamos lá?
I- O QUE FOI A PATRÍSTICA:
A Patrística foi a época em
que emergiu os “pensadores e escritores cristãos dos primeiros séculos.” (CLEMENTE [Et.
al], p. 7)
Eles são chamados de “pais”, porque
intensificaram e sistematizaram muitas doutrinas importantes do Cristianismo.
O estudo da Patrística abrange
tanto a figura dos pais, como também os seus escritos. Ele também é chamado de
Patrologia “que vem da palavra latina pater.” (LITFIN, p. 20)
Foi um período em que as
doutrinas cristãs foram pela primeira vez desenvolvidas. Graças a eles, o
Cristianismo pode sobreviver às ameaças tanto do mundo, da filosofia e cultura
romana, quanto das crenças que surgiram dentro da própria igreja.
II- PRINCIPAIS PAIS DA IGREJA:
Vou deixar uma breve lista dos
principais pais da igreja logo abaixo:
Clemente de Roma (†102), foi o terceiro sucessor de Pedro, nos tempos dos
imperadores romanos Domiciano e Trajano (92 a 102). No depoimento de Ireneu
“ele viu os Apóstolos e com eles conversou, tendo ouvido diretamente a sua
pregação e ensinamento”. (Contra as heresias)
Inácio de Antioquia (†110) foi o terceiro bispo da importante comunidade
de Antioquia, fundada por Pedro. Conheceu pessoalmente Paulo e João. Sob o
imperador Trajano, foi preso e conduzido a Roma onde morreu nos dentes dos
leões no Coliseu. A caminho de Roma escreveu Cartas às igreja de Éfeso,
Magnésia, Trales, Filadélfia, Esmirna e ao bispo Policarpo de Esmirna. Na carta
aos esmirnenses, aparece pela primeira vez a expressão “Igreja Católica”.
Aristides de Atenas († 130) foi um dos primeiros apologistas cristãos;
escreveu a sua Apologia ao imperador romano Adriano, falando da vida dos
cristãos.
Policarpo
(†156) foi bispo de Esmirna, e uma pessoa muito amada. Conforme
escreve Irineu, que foi seu discípulo, Policarpo foi discípulo de João. No ano
155 estava em Roma com Niceto tratando de vários assuntos da Igreja, inclusive
a data da Páscoa. Combateu
os hereges gnósticos. Foi condenado à fogueira; o relato do seu martírio, feito
por testemunhas oculares, é documento mais antigo deste gênero.
Didaquè (ou Doutrina dos Doze Apótolos) é como um antigo catecismo,
redigido entre os anos 90 e 100, na Síria, na Palestina ou em Antioquia. Traz
no título o nome dos doze Apóstolos. Os Pais da Igreja mencionaram-no muitas
vezes. Em 1883 foi encontrado um manuscrito seu em grego.
Justino mártir nasceu em Naplusa, antiga Siquém, em Israel; achou
nos Evangelhos “a única filosofia proveitosa”, filósofo, fundou uma escola em
Roma. Dedicou a sua Apologias ao Imperador romano Antonino Pio, no ano 150,
defendendo os cristãos; foi martirizado em Roma.
Hipólito de Roma (160-235) discípulo de Ireneu (140-202), foi célebre na
Igreja de Roma, onde Orígenes o ouviu pregar. Morreu mártir. Escreveu contra os
hereges, compôs textos litúrgicos, escreveu a Tradição Apostólica onde retrata
os costumes da Igreja no século III: ordenações, catecumenato, batismo e
confirmação, jejuns, ágapes, eucaristia, ofícios e horas de oração,
sepultamento, etc.
Melitão de Sardes (†177) foi bispo de Sardes, na Lídia, um dos grandes
luminares da Ásia Menor. Escreveu a Apologia, dirigida ao imperador Marco
Aurélio.
Atenágoras (†180) era filósofo em Atenas, Grécia, autor da Súplica pelos
Cristãos, apologia oferecida em tom respeitoso ao imperador Marco Aurélio e seu
filho Cômodo; escreveu também o tratado sobre A Ressurreição dos mortos, foi um
grande apologista.
Teófilo de Antioquia nasceu na Mesopotâmia, converteu-se ao cristianismo
já adulto, tornou´se bispo de Antioquia. Apologista, compôs três livros, a
Autólico.
Ireneu (†202) nasceu na Ásia Menor, foi discípulo de Policarpo
(discípulo de João), foi bispo de Lião, na Gália (hoje França). Combateu
eficazmente o gnosticismo em sua obra Adversus Haereses (Refutação da Falsa
Gnose) e a Demonstração da Preparação Apostólica.
Clemente de Alexandria (†215). Seu nome é Tito Flávio Clemente, nasceu
em Atenas por volta de 150. Viajou pela Itália, Síria, Palestina e fixou´se em
Alexandria. Durante a perseguição de Setímio Severo (203), deixou o Egito, indo
para a Ásia Menor, onde morreu em 215. Seu grande trabalho foi tentar fazer
aliança do pensamento grego com a fé cristã. Dizia: “Como a lei formou os
hebreus, a filosofia formou os gregos para Cristo”.
Orígenes (184-254). Nasceu em Alexandria, Egito; seu pai Leônidas morreu
martirizado em 202. Também desejava o mártirio; escreveu ao pai na prisão: “não
vás mudar de ideia por causa de nós”. Em 203 foi colocado à frente da escola
catequética de Alexandria pelo bispo Demétrio. Em 212 esteve em Roma, Grécia e
Palestina. A mãe do imperador Alexandre Severo, Júlia Mammae, chamou´o a
Antioquia para ouvir suas lições. Morreu em Cesaréia durante a perseguição do
imperador Décio.
Tertuliano (†220) de Cartago, norte da África, culto, era advogado em
Roma quando em 195 se converteu ao Cristianismo, passando a servir a Igreja de
Cartago como catequista. Combateu as heresias do gnosticismo, mas se desentendeu
com a Igreja Católica. É autor das frases: “Vede como se amam” e “O sangue dos
mártires é a semente de novos cristãos”.
Cipriano
(†258). Cecílio Cipriano nasceu em Cartago, foi bispo e primaz da
África Latina. Era casado. Foi
perseguido no tempo do imperador Décio, em 250, morreu mártir em 258. Escreveu
a bela obra Sobre a unidade da Igreja Católica. Na obra De Lapsis, sobre os que
apostataram na perseguição, narra ao vivo o drama sofrido pelos cristãos, a
força de uns, o fracasso de outros. Escreveu ainda a obra Sobre a Oração do
Senhor, sobre o Pai Nosso.
Eusébio de Cesaréia (260-339) bispo, foi o primeiro historiador da
Igreja. Nasceu na Palestina, em Cesaréia, discípulo de Orígenes. Escreveu a sua
Crônica e a História Eclesiástica, além de A Preparação e a Demonstração
Evangélica. Foi perseguido por Dioclesiano, imperador romano.
Atanásio (295-373) doutor da Igreja, nasceu em Alexandria, ainda jovem
foi viver o monaquismo nos desertos do Egito,onde conheceu o grande Santo
Antão(†376), o “pai dos monges”. Tornou-se diácono da Igreja de Alexandria, e
junto com o seu Bispo Alexandre, se destacou no Concílio de Nicéia (325) no
combate ao arianismo. Tornou-se bispo de Alexandria em 357 e continuou a sua
luta árdua contra o arianismo (Ário negava a divindade de Jesus), o que lhe
valeu sete anos de exílio. São Gregório Nazianzeno disse dele: “O que foi a
cabeleira para Sansão, foi Atanásio para a Igreja.”
Hilário de Poitiers (316-367) doutor da Igreja, nasceu em Poitiers, na
Gália (França); em 350 clero e povo o elegiam bispo, apesar de ser casado.
Organizou a luta dos bispos gauleses contra o arianismo. Foi exilado pelo
imperador Constâncio, na Ásia Menor, voltando para a Gália em 360, fazendo
valer as decisões do Concílio de Nicéia. É chamado o “Atanásio do
Ocidente”.Escreveu as obras Sobre a Fé, Sobre a Santíssima Trindade.
Efrém (†373), doutor da Igreja – é considerado o maior poeta sírio, chamado de
“a cítara do Espírito Santo”. Nasceu em Nísibe, de pais cristãos, por volta de
306, deve ter participado do Concílio de Nicéia (325), segundo a tradição, com
o seu bispo Tiago. Foi ordenado diácono em 338 e assim ficou até o fim da vida.
Escreveu tratados contra os gnósticos, os arianos e contra o imperador Juliano,
o apóstata.
Basílio Magno (329-379). Bispo e doutor da Igreja, nasceu na Capadócia;
seus irmãos Gregório de Nissa e Pedro, são santos. Foi íntimo amigo de Gregório
Nazianzeno; fez´se monge. Em 370 tornou´se bispo de Cesaréia na Palestina, e
metropolita da província da Capadócia. Combateu o arianismo e o apolinarismo
(Apolinário negava que Jesus tinha uma alma humana). Destacou´se no estudo a
Santíssima Trindade (Três Pessoas e uma Essência).
Gregório Nazianzeno (329-390), doutor da Igreja – nasceu em Naziano, na
Capadócia, era filho do bispo local; foi um dos maiores oradores cristãos. Foi
grande amigo de Basílio, que o ordenou bispo. Lutou contra o arianismo. Sua
doutrina sobre a Santíssima Trindade o fez ser chamado de “teólogo”, que o
Concílio de Calcedônia confirmou em 481.
Gregório de Nissa (†394) – foi bispo de Nissa, e depois de Sebaste,
irmão de Basílio e amigo de Gregório Nazianzeno. Os três santos brilharam na
Capadócia. Foi poeta e místico; teve grande influência no primeiro Concílio de
Constantinopla (381) que definiu o dogma da SS. Trindade. Combateu o
apolinarismo, macedonismo (Macedônio negava a divindade do Espírito Santo) e
arianismo.
João Crisóstomo (= boca de ouro) (354-407), doutor da Igreja, é o mais
conhecido dos Pais da Igreja grega. Nasceu em Antioquia. Tornou-se patriarca de
Constantinopla, foi grande pregador. Foi exilado na Armênia por causa da defesa
da fé sã.
Cirilo de Alexandria (†444) – Bispo e doutor da Igreja, sobrinho do patriarca de
Alexandria, Teófilo, o substituiu na Sé episcopal em 412. Combateu vivamente o
Nestorianismo (Néstório negava que em Jesus havia uma só Pessoa e duas
naturezas), com o apoio do papa Celestino. Participou do Concílio de Éfeso
(431), que condenou as teses de Nestório. É considerado um dos maiores Pais da
língua grega.
João
Cassiano (360-465) – recebeu formação religiosa em Belém e viveu
no Egito. Foi ordenado
diácono por S. João Crisóstomo, em Constantinopla, e padre pelo papa Inocêncio,
em Roma. Em 415 fundou dois mosteiros em Marselha, um para cada sexo. São Bento
recomendou seus escritos.
Pedro Crisólogo (= palavra de ouro) (†450) – bispo e doutor da Igreja –
foi bispo de Ravena, Itália. Quando Êutiques, patriarca de Constantinopla pediu
o seu apoio para a sua heresia (monofisismo ´ uma só natureza em Cristo),
respondeu: “Não podemos discutir coisas da fé, sem o consentimento do Bispo de
Roma”. Temos 170 de suas cartas e escritos sobre o Símbolo e o Pai – Nosso.
Ambrósio (†397), doutor da Igreja – nasceu em Tréveris, de nobre família
romana. Com 31 anos governava em Milão as províncias de Emília e Ligúria. Ainda
catecúmeno, foi eleito bispo de Milão, pelo povo, tendo, então recebido o
batismo, a ordem e o episcopado. Foi conselheiro de vários imperadores e batizou
santo Agostinho, cujas pregações ouvia. Deixou obras admiráveis sobre a fé da
igreja universal.
Jerônimo (347-420), “Doutor Bíblico” – nasceu na Dalmácia e educou-se em
Roma; é o mais erudito dos Pais da Igreja latina; sabia o grego, latim e
hebraico. Viveu alguns anos na Palestina como eremita. Em 379 foi ordenado
sacerdote pelo bispo Paulino de Antioquia; foi ouvinte de Gregório Nazianzeno e
amigo de Gregório de Nissa. De 382 a 385 foi secretário do Papa S. Dâmaso, por
cuja ordem fez a revisão da versão latina da Bíblia (Vulgata), em Belém, por 34
anos. Pregava o ideal de santidade entre as mulheres da nobreza romana
(Marcela, Paula e Eustochium) e combatia os maus costumes do clero. Na figura
de Jerônimo destacan-se a austeridade, o temperamento forte e o amor à igreja.
Agostinho (354-430). Bispo e Doutor da Igreja ´ Nasceu em Tagaste,
Tunísia, filho de Patrício e Mônica. Grande teólogo, filósofo, moralista e
apologista. Aprendeu a retórica em Cartago, onde ensinou gramática até os 29
anos de idade, partindo para Roma e Milão onde foi professor de Retórica na
corte do Imperador. Alí se converteu ao cristianismo pelas orações
e lágrimas, de sua mãe Mônica e pelas pregações de Ambrósio, bispo de Milão.
Foi batizado por esse bispo em 387. Voltou para a África em veste de penitência
onde foi ordenado sacerdote e depois bispo de Hipona aos 42 anos de idade. Foi
um dos homens mais importantes para a Igreja. Combateu com grande capacidade as
heresias do seu tempo, principalmente o Maniqueismo, o Donatismo e o
Pelagianismo, que desprezava a graça de Deus. Agostinho escreveu muitas obras e
exerceu decisiva influência sobre o desenvolvimento cultural do mundo
ocidental. É chamado de “Doutor da Graça”.
Bento de Núrcia (480-547) – nasceu em Núrcia, na Úmbria, Itália; estudou
Direito em Roma, quando se consagrou a Deus. Tornou-se superior de várias
comunidades monásticas; tendo fundado no monte Cassino a célebre Abadia local.
A sua Regra dos Mosteiros tornou-se a principal regra de vida dos mosteiros do
ocidente, elogiada por Gregório Magno, usada até hoje. O lema dos seus
mosteiros era “ora et labora”.
Máximo, o Confessor (580-662) – nasceu em Constantinopla, foi secretário
do imperador Heráclio, depois foi para o mosteiro de Crisópolis. Lutou contra o
monofisismo e monotelismo, sendo preso, exilado e martirizado por isso. Obteve
a condenação do monotelismo no Concílio de Latrão, em 649.
Ildefonso de Sevilha (†636) – doutor da Igreja. Considerado o último pai
do ocidente. Bispo de Sevilha, Espanha desde 601. Em 636 dirigiu o IV Sínodo de
Toledo. Exerceu notável influência na Idade Média com os seus escritos
exegéticos, dogmáticos, ascéticos e litúrgicos.
João Damasceno (675-749). Bispo e Doutor da Igreja. É considerado o
último dos representantes dos pais gregos. É grande a sua obra literária:
poesia, liturgia, filosofia e apologética. Filho de um alto funcionário do
califa de Damasco, foi companheiro do príncipe Yazid que, mais tarde o promoveu
ao mesmo encargo do pai, ministro das finanças. A um determinado tempo deixou a
corte do califa e retirou-se para o mosteiro de Sabas, perto de Jerusalém.
Tornou-se o pregador titular da basílica do Santo Sepulcro.
III- O PERÍODO EM QUE SE
ESTENDERAM E AS DIVISÕES.
Geralmente, a maioria dos
estudiosos estendem o período da Patrística, do século II ao século VI d.C.
Porém, alguns entusiastas alongam esse período até o século VIII d. C e um
menor número, fecha no século XII d. C.
Para o sistematizador Johannes
Quasten, a patrística começa ainda na época do N.T até Isidoro de Sevilha (636
d.C), no mundo latino, e João Damasceno (749 d. C) no mundo grego.
As divisões também não são
unanimes. Nós temos:
- Pais apostólicos,
Apologistas e Polemistas.
- Pais Pré-Nicenos, Nicenos e
Pós-Nicenos.
- Pais do Oriente (grego) e
Ocidente (latino)
IV- PORQUE DEVEMOS LER OS PAIS?
- Porque eles foram majoritariamente
responsáveis por construir a tradição da igreja.
- Porque ao estudá-los, nós
podemos ter uma visão panorâmica e mais clara acerca da história da igreja e do
seu modus operandi como por exemplo: estrutura eclesiástica,
manifestações carismáticas e vida cristã.
- Porque foi no período deles
que as principais heresias, modismos e falsas foram refutadas e repugnadas.
- Porque eles enriqueceram o
pensamento, a filosofia e por conseguinte, a sociedade como um todo.
- Porque seus escritos são
relevantes. Muitas pessoas pensam que a produção teológica de qualidade e
confiável só surge a partir da Reforma Protestante, o que não é verdade, mas um
grande engano. Ignorar os pais, é amputar 1/4 da história do Cristianismo.
- Porque seus escritos compõem
a literatura mais próxima de Cristo, dos apóstolos e daqueles que tiveram
contato com eles.
- Tanto a vida deles como seus
escritos formam a base da apologética (defesa da fé) e portanto, podem nos
ajudar também nesta tarefa.
- Porque ao estudá-los, nós
criamos pontes com o nosso passado e origem. É um verdadeiro encontro do
presente com o passado.
- Porque "Escritura" e "Tradição", não são duas entidades
concorrentes ou excludentes. Ambos possuem a sua devida importância.
V- COMO DEVEMOS ESTUDÁ-LOS?
- Em primeiro lugar, é
impossível compreender bem e de forma precisa os pais, sem antes ter uma noção
básica de filosofia. Digo isto porque parte da Patrística bebeu da lógica e do
pensamento de alguns filósofos como Sócrates, Platão (esse em especial) e
Aristóteles bem como de alguns gatilhos que eles possuíam. Lê-los sem esse
conhecimento prévio, torna seus escritos maçantes, fatigantes e desinteressantes.
- Em segundo lugar, devemos
lê-los à luz dos seus próprios contextos e épocas. Para isso, é bom adquirir
livros que atualizem a época em que eles viveram bem como a cultura, costumes,
escrita, povo, etc. Não fazer isso fará com que você veja seus escritos como
exóticos e difíceis demais para leitura e compreensão. É um erro crasso ler os
pais com os óculos da pós-modernidade, pois eles viveram em uma época
específica.
-Em terceiro lugar, leia os
pais através dos seus próprios escritos. Uma coisa é o que eles escreveram,
outra coisa é o que os outros disseram acerca deles. São duas coisas totalmente
distintas. Muitos estudantes da Bíblia, lê os pais com as lentes de outras
pessoas, e isso pode prejudicar sua compreensão acerca deles. Claro que os
livros podem intermediar e até mesmo contextualizar, porém, o caminho mais
excelente é estudar os pais nas suas próprias fontes.
- Em quarto lugar, tenha
consciência de que eles possuem uma escrita e estilo literário próprio,
peculiar a eles. Isto significa dizer que não há uma homogeneidade em seus
escritos, pois, um tem uma abordagem mais pedagógica, o outro mais questionador,
o outro mais literal, outro mais alegórico, outro mais sistemático e
metodológico, outro mais filosófico e reflexivo, outros mais pé no chão e
objetivo/direto, outro mais prolixo.
- Em quinto lugar, leia os
pais comparando seus escritos e pensamento com as Escrituras. Esse processo é
chamado de "contraste''. Dessa forma, você poderá assimilar melhor o
conteúdo que eles produziram.
VI- CUIDADOS AO LER OS PAIS:
- Não devemos tomar os pais
como pessoas inerrantes.
- Não podemos colocar seus
escritos no mesmo patamar das Escrituras, pois ela é inerrante, inspirada e
poderosa.
- Nós devemos ler os pais como
se estivéssemos comendo peixe. Ou seja, separando as espinhas do que é
digerível.
- Nós devemos ter
discernimento acerca da evolução do pensamento deles. Por exemplo, era muito
comum os pais debaterem com outras pessoas e mudarem ou aperfeiçoarem
algumas crenças pessoais. Agostinho de Hipona mesmo, tem seu pensamento
divido geralmente de duas formas: "Agostinho jovem" e o "Agostinho
velho''.
- Nós devemos ter cuidado com
algumas crenças heterodoxas que alguns deles criam como universalismo, por
exemplo.
VII- QUANTOS LIVROS OS PAIS DA
IGREJA ESCREVERAM?
Quem de nós nunca sonhou em
ter a coleção completa de 44 volumes da Paulus sobre a Patrística? Para quem
não se lembra, a Patrística foi um grande período da história da igreja, em que
os pais ou padres da igreja, consolidaram muitas das doutrinas cristãs que
temos hoje. Eles fizeram parte da igreja primitiva e deixaram para nós um vasto
material escrito, tratando sobre diversos assuntos e corrigindo dezenas de
erros. Às vezes, errando, às vezes acertando, a Patrística é digna de ser
estudada. Porém, conhecer seus escritos é um grande desafio.
O primeiro é o da tradução.
Das centenas de volumes que existem, apenas poucas dezenas foram traduzidas
para a língua portuguesa. O segundo é o da linguagem. Os patrísticos são
exaustivos e possuem uma linguagem bem peculiar. Lê-los na maioria das vezes é
maçante, cansativo e desmotivador para um público que não tem o hábito da
leitura.
A coleção mais completa que
temos em nosso país, é a da Editora Paulus. São 44 volumes bem resumidos e
trazem alguns escritos de pais como Orígenes, Agostinho de Hipona, Leão Magno,
Ambrósio, João Crisóstomo, Irineu de Lyon, Justino de Roma, Hilário de
Poitiers, Gregório de Nissa, Gregório Magno, Eusébio de Cesaréia, Cipriano de
Cartago, Ambrósio de Milão, entre outros. Ela custa atualmente: 3.320,00 R$.
Porém, o catálogo da
Patrística é muito maior que isso.
Para você ter ideia, entre
1844 e 1864, um abade e padre francês chamado Jacques Paul Migne, publicou a
coleção de Patrologia Latina. Ela é a maior e mais exaustiva coleção já
publicada dos escritos existentes dos pais e doutores latinos da igreja
primitiva e medieval. Ela cobre um período de tempo de Tertuliano (200 d.C) e
vai até o Papa Inocêncio III em 1216. No total, são 221 volumes e cerca de
150.000 páginas escritas em latim.
Porém, não para por aí...
Entre 1857 e 1866, J.P. Migne
também lançou a maior coleção já publicada dos escritos existentes dos pais e
doutores gregos da igreja primitiva e medieval. Com a coleção da Patrologia
Grega, nós podemos ter acesso aos escritos dos pais capadócios cujos trabalhos
foram tão importantes para a formulação precisa da doutrina da Trindade contra
o Sabelianismo por um lado, e o triteismo, por outro. São 161 volumes e 110.000
páginas.
Em 1886, o professor Rene
Graffin embarcou na grandiosa tarefa de compilar os escritos dos pais que não
foram incluídos nas obras monumentais de J.P. Migne. Ela resultou na coleção de
Patrologia Siríaca e Oriental. São escritos dos pais da igreja em árabe,
armênio, copta, etíope, grego, georgiano, eslavo e siríaco. Nela, há escritos
teológicos, cartas e homilias dos primeiros pais orientais. Ela nos revela qual
era o pensamento deles sobre as Escrituras, as doutrinas cristãs e as heresias
que os assolavam. São 17 volumes e um total de 12.725 páginas.
Ainda hoje, várias outras
obras dos pais da igreja estão sendo publicadas de forma independente. O
trabalho não para. Além disso, se sabe que o possui um acervo gigantesco de
obras da Patrística que poucas pessoas ou quase ninguém tem acesso. Muitas
dessas obras, nós talvez nunca conheçamos. Sem contar naqueles que se perderam
ao longo dos anos e que nunca teremos a oportunidade de ler. Sem dúvida, o
período da Patrística foi riquíssimo em produção teológica e abastado de
muito conhecimento.
No final das contas, nunca
saberemos ao certo quanto livros a Patrística possui, mas é certo que ela foi
incomparável e singular.
VIII- MATROLOGIA OU
MATRÍSTICA:
Você sabia que também
existiram mulheres nesse período que produziram e influenciaram bastante a
geração em que viviam? Lamentavelmente, essa é uma lacuna que precisa ser
preenchida, principalmente em solo brasileiro. Isto ocorre porque descobrir
informações confiáveis sobre mulheres no cristianismo primitivo é um
empreendimento desafiador.
O erudito Michael A. G. Haykin
comenta:
"...
a erudição desta época está agora disposta a falar das mães da igreja
(''matrística'')... Mas o problema desta categoria de 'matrística' é que há
poucas mulheres da igreja antiga que podem ser estudadas com profundidade
semelhante ao estudo dos pais, visto que deixaram poucos remanescentes
textuais.'' (HAYKIN, p.
15)
Eu costumo dizer que houveram
pelo menos quatro fatores pelos quais a contribuição das mães da igreja ficou
ofuscada, quase que apagada.
- Destaque.
Apesar da mulher no Cristianismo ser bastante valorizada em comparação com
outras religiões e povos, a igreja primitiva ainda estava na fase embrionária e
era bombardeada o tempo todo pela cultura greco-romana que não era favorável à
atuação da mulher na sociedade, embora história esteja repleta de exemplos
notáveis de muitas delas. Isto, significa dizer que somente aquelas que se
destacavam conseguiam trazer alguma contribuição significativa na sociedade.
Não foi diferente na história da igreja, por isso temos tão poucas mulheres se
destacando, embora massivamente elas tenham sido ativas.
- Produção. Um
fato: As mulheres cristãs não produziram na mesma proporção que os homens.
Naquela época, poucas tinham acesso a educação formal e portanto, não tinham
condições de atuar na esfera literária da mesma forma que o homem. Resultado:
Produziram pouca literatura, sem falar naqueles escritos que provavelmente
devem ter se perdido em mosteiros, bibliotecas e batalhas.
Por isso que o Bryan M. Litfin
comenta:
"A
verdade é que houve muitas grandes mulheres na igreja antiga. Os cristãos do
passado com frequência elogiavam as qualidades nobres e heroicas de santas
mulheres, sobretudo as mártires e as virgens que viveram de modo consagrado a
Deus. Mas devemos lembrar que na sociedade antiga as mulheres raramente aprendiam
a ler e a escrever, e certamente não se esperava que tivessem uma produção
literária intelectual. Por esse motivo, poucas obras de mulheres do período da
igreja antiga chegaram até nós." (LITFIN, p.
20)
- Popularidade. Numa
sociedade onde a popularidade era um "prestígio" quase que
exclusivamente do homem, é de se esperar que elas e seus escritos não sejam
populares nos dias de hoje.
- Influência. A
soma desses três fatores contribui para o quatro. Além da dificuldade de
destacar-se, da baixa produção e popularidade, a Matrologia não foi tão
influente quanto a Patrologia. Geralmente, o testemunho dessas mulheres (seja
de forma escrita ou verba) desempenhava uma influência local e discreta, sem
muito alarde.
No entanto, a história
atesta: muitas delas deram uma importante contribuição para a igreja
primitiva como Bitalia,
Veneranda, Crispina, Petronella, Leta, Sofia, a diaconisa, e muitas outras.
Contudo, isso não significa
que elas não estejam lá... Muito menos que devemos continuar desprezando-as. Em
inglês nós temos dezenas de obras que falam acerca dessas mulheres. Elas
deixaram contribuições sociais e teológicas nas mais diversas áreas, seja como
pregadoras, filósofas, mártires, virgens, mães ou poetisas.
Exemplos:
Macrina, a jovem (327- 380
d.C). Foi a irmã mais velha de Basílio, o grande e
Gregório de Nissa. Por ser uma mulher de caráter, exerceu uma grande influência
sobre seus irmãos. A principal fonte de conhecimento sobre sua vida é a obra:
"Macrina Junioris" de Gregório de Nissa. Ele também atestou uma
competência como teóloga na obra: "De Anima et
Resurrectione". Ela aparece nessa obra como sendo uma Mestra que
expunha com argumentos racionais, a doutrina cristã. Ela é considerada uma
joia da biografia cristã do século IV.
Marcela (325-410 d. C). Foi
uma cristã romana de grande habilidade intelectual. Capaz de conversar com
qualquer um sobre qualquer assunto. "Jerônimo louva tanto sua devoção a
Cristo como sua mente ativa e inquiridora." (Lendo as Escrituras com os
Pais da Igreja, p. 54)
Paula (347-404 d. C). Uma
cristã que pertenceu à nobreza italiana. Responsável pela construção de várias
igrejas, um hospital e alguns mosteiros, da qual era foi a primeira abadessa de
um deles. Ela foi a figura feminina mais próxima de Jerônimo.
Jerônimo dá testemunho acerca
dela, cujo trecho é digno de ser reproduzido aqui. Ele diz:
"Ela
memorizou a Escritura. [...] Insistiu comigo que, junto filha, poderia ler todo
o Antigo e NovoTestamento. [...] Se em alguma passagem eu ficava confuso e
confessava francamente que ignorava o sentido, ela não se contentava com minha
resposta de forma alguma, mas por meio de novas perguntas, forçava-me a dizer quais
dos muitos significados possíveis pareciam mais prováveis para mim.’’
Melânia, a presbítera e a
diaconisa Olímpia são dois outros exemplos de mulheres inteligentes, eruditas e
piedosas. Melânia, por exemplo, "passava noite e dia percorrendo todos os
escritos dos comentadores antigos, três milhões de linhas de Orígenes, e duzentas
e cinquenta mil linhas de Gregório, Estêvão I, Pierius, Basílio e outros homens
excelentes.' De fato, Paládio observa que Melânia lia cada obra 'sete ou oito
vezes."
Obras Citadas
CLEMENTE
[Et. al]. Pais apostólicos. São Paulo: Mundo Cristão, 2017.
HALL, Christopher A. Lendo as Escrituras com os
Pais da Igreja. Viçosa: Ultimato, 2000.
HAYKIN, Michael A.G. Redescobrindo os Pais da
Igreja. São Paulo: Fiel, 2012.
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