18 de outubro de 2021

O cair no Espírito nos dias de Jonathan Edwards


 Por Everton Edvaldo

Este artigo é destinado à 3 públicos distintos:

- Aos Pentecostais desavisados que muitas vezes, caem no “canto da sereia cessacionista” de reproduzir discursos prontos, sem analisar a veracidade dos mesmos.

- Aos Cessacionistas ignorantes que repetem essas acusações por desconhecimento ou porque foram ensinados a pensar desta forma.

- Aos Cessacionistas desonestos que conhecem a verdade histórica, mas mesmo assim, preferem continuar espalhando inverdades e rotulações inapropriadas sobre outras tradições. 

Dito isto, gostaria de deixar claro que este artigo não será exaustivo em sua abordagem, antes, trará dados e fará provocações teológicas com base nos mesmos.

O objetivo desse texto é provar que essas manifestações não são práticas que surgiram com os pentecostais ou neopentecostais como muitas vezes querem jogar na nossa conta.

I- A QUESTÃO BÍBLICO-HISTÓRICA

Se você gosta de estudar minimamente teologia, já se deparou com alguma polêmica relacionada à pneumatologia. Ou até mesmo, já se pegou assistindo vídeos de cristãos pentecostais, carismáticos ou neopentecostais “caindo no Espírito.” Já se escandalizou com cenas onde Kenneth Hagin ou Benny Hinn, derrubaram pessoas nos cultos.

Bem, embora esse exemplo seja extremo e exótico, a grande verdade é que a manifestação do cair no ou pelo Espírito é algo que ocorreu em todos os principais avivamentos ou despertamentos que houveram na história do Cristianismo.

E apesar de muitas vezes ser associado aos Neopentecostais, já era algo que ocorria nos cultos pentecostais de Azusa e em muitos outros círculos paralelos. Eu não quero entrar no mérito de como isso acontece no Neopentecostalismo, mas em síntese, gostaria de deixar claro que não é porque esta manifestação ocorre entre eles, que esta em si seja algo errado ou diabólico.

No caso dos Neopentecostais, a manifestação é bem controversa e como não é o objetivo deste artigo entrar nesses detalhes, me resumo a dizer que creio que algumas dessas manifestações são autênticas, outras são manipuladas, exploradas e ainda outras são fruto de mero emocionalismo, psiquismo barato, e até mesmo influência maligna. Mas isto de modo algum significa que toda manifestação desta natureza seja antibíblica.

Também não pretendo gastar tempo aqui, tratando de tópicos como: esta manifestação é do Espírito ou é uma reação do corpo humano ao Espírito Santo? Deixarei isto para outro artigo.

Mas algo que vale a pena ser comentado é que todas as vezes, que esse assunto é levantado, muita gente recorre ao argumento de que essa e outras manifestações são do diabo simplesmente por não estarem presentes na Bíblia, muito embora haja aqueles que encontrem nas narrativas veterotestamentárias e em outros textos, uma referência da manifestação em algum momento.

Contudo, ainda que não haja nenhum versículo sequer mencionando ou listando este tipo de manifestação, ainda assim, isso não se constitui evidência suficiente para classificarmos as mesmas como antibíblicas, pois como sempre digo em meus artigos: nem tudo que é extrabíblico, é antibíblico.

Então se não há passagens aprovando ou desaprovando essa e outras manifestações, como iremos julgá-las? Isto não cairia num subjetivismo desenfreado?  De forma alguma! A resposta é simples: devemos avaliá-las com os mesmos critérios em que são subjugadas aquelas experiências que estão claras para nós nas Escrituras. Isto é, devem ser submetidas ao crivo da Bíblia.

Eu penso que esse caminho hermenêutico é mais sensato e coerente do que aquele que é adotado por boa parte dos pentecostais e cessacionistas do nosso país: adotar uma postura fundamentalista, rejeitar estas manifestações e ocultar a história do Cristianismo, maquiando o que não lhe convém, ou adulterando simplesmente o que não cabe na caixa teológica da sua tradição tupiniquim. Digo isto porque não somente o Cair no Espírito, como outras manifestações estão presentes nos mais diversos ramos do Cristianismo, seja ele marginal ou conservador. Ignorá-las ou jogá-las nas costas do diabo não resolve o problema, antes, agrava-o. Eu pretendo em outro momento deixar uma lista de obras que testificam o que levanto neste parágrafo (mas para os mais curiosos, podem ler a obra 2000 anos de Cristianismo Carismático, do autor Eddie Hyatt), por ora, gostaria de trazer a contribuição teológica e histórica de alguém que é respeitado e admirado por todos os cristãos: Jonathan Edwards. 

II- A CONTRIBUIÇÃO DE JONATHAN EDWARDS

Todos conhecem o legado de Edwards para aquilo que ficou conhecido como o Primeiro Grande Despertamento, um momento histórico marcado por um Avivamento Transcontinental, protagonizado em grande parte por este personagem. Contudo, o que poucos sabem, é que embora o cair no Espírito seja uma manifestação rastreável já nos dias da Patrística, era algo que ocorria nas reuniões Edwards.

Pois bem, durante os anos de Avivamento, Jonathan Edwards percebeu que alguns fenômenos ocorriam nos cultos. Ele os classificou como sendo manifestações mentais e físicas.  

Estas manifestações são consequências ocasionais de descobertas espirituais e curiosamente, um desses primeiros fenômenos seria a perda da força natural.

Nas suas palavras, “algumas pessoas têm tido anseios tão intensos por Cristo, ou que se elevaram a tal ponto, que perderam a sua força natural.” (MATTOS, 2006, p. 43)

Outra manifestação seria sobre a mente das pessoas. Isto, seria em decorrência da estreita ligação que existe entre a parte imaterial (alma e espírito) e a material (corpo). Todas elas estão interligadas e exercem influência uma sobre as outras. Ele explica:

“Sim, eu não vejo nenhum fundamento sólido e seguro que qualquer pessoa possa ter para afirmar que Deus nunca produzirá essas fortes impressões sobre a mente, através do seu Espírito, a ponto de ocorrer tamanho enfraquecimento da estrutura do corpo que a pessoa ficará privada do uso da razão.” (MATTOS, 2006, p. 49)

Edwards precisou lidar com esses fenômenos, principalmente por três razões: primeiro, eles não eram incomuns, segundo, os seus opositores estavam usando tais manifestações como prova de que o seu avivamento era falso e terceiro, paralelamente à essas manifestações, ocorriam muitas outras com motivações malignas, por isso, ele precisou tratá-las a fim de que os cristãos pudessem ter discernimento entre as coisas espirituais e as que não eram.

III- O RELATO DAS MANIFESTAÇÕES

            Trago agora os relatos do próprio Jonathan Edwards sobre algumas manifestações que as pessoas desfrutavam em decorrência do avivamento:

1. Capacidade de permanecer de pé ou de falar afetada:

“Noções extraordinárias sobre as coisas divinas, e as afeições religiosas, frequentemente eram acompanhadas de efeitos muito grandes sobre o corpo... A pessoa ficava destituída de toda a capacidade de ficar de pé ou de falar.” (MATTOS, 2006, p. 50)

2. Perda da força física:

“A força do corpo com muita frequência era suprimida com um profundo lamento pelo pecado, como algo cometido contra um Deus tão santo e bom...” (MATTOS, 2006, p. 50)

“Havia tamanho sentimento da glória do Espírito Santo, como o grande Consolador, a ponto de subjugar tanto a alma como o corpo; somente a menção da palavra Consolador retirava imediatamente toda a força.” (MATTOS, 2006, p. 50)

3. Cair pelo Espírito:

“Era frequente que muitas pessoas fossem tomadas de modo tão extraordinário pelo terror ao ouvirem a palavra, com o Espírito de Deus convencendo-as do pecado, que elas caíam ao chão e eram levadas para fora da igreja, e depois se revelavam cristãos muito sólidos e dinâmicos.” (MATTOS, 2006, pp. 50,51)

Ele usa como evidência bíblica, as experiências de Daniel na Babilônia (Dn 10.6-8) e de João na Ilha de Patmos (Ap 1.17) que caíram ao chão diante da manifestação de Deus.

4. Aumento dos batimentos cardíacos, lágrimas, tremor, choro e convulsões. (MATTOS, 2006, p. 51)

            Comentando sobre a ênfase em clamores, desmaios e outros efeitos corporais, ele conclui: “existem todas as evidências de que as pessoas nas quais aparecem esses efeitos estão sob a influência do Espírito de Deus...” (MATTOS, 2006, p. 57)

De uma forma menos comum, mas ainda assim interessante, Edwards relata casos em que pessoas foram privadas da sua razão, mas esta não foi a única manifestação mental presenciada em seus dias.

5. Almas transportadas extraordinariamente:

“Tenho conhecido pessoalmente muitas pessoas que têm experimentado os transportes elevados e extraordinários dos dias atuais... A pessoa mais de uma vez permaneceu por cinco ou seis horas a fio, sem interrupção, com um senso claro e vivo da infinita beleza e da bondade da pessoa de Cristo... A alma permaneceu nas alturas, esteve perdida em Deus e parecia quase deixar o corpo...” (MATTOS, 2006, p. 52)

IV- MANIFESTAÇÕES ENTRE OS OUTROS PROTAGONISTAS DO AVIVAMENTO  

            Estas manifestações eram conhecidas não somente por Edwards, mas também por outros personagens que viveram em seus dias.

            Charles Chauncy, por exemplo, um opositor dessas manifestações, traz um relato sobre um dos cultos: “Alguns estavam gritando em aflição e angústia, alguns orando; outros cantando, outros saltando pela casa, enquanto que outros estavam exortando, alguns deitados no chão e outros andando e conversando.” Enquanto isso, outros “gritavam com grande riso, rindo e cantando, saltando e batendo palmas.” (MATTOS, 2006, p. 70)

            Segundo Clarke Garret:

“Um dos defensores mais zelosos dos avivamentos foi Andrew Croswell... Tendo levado a sua congregação a um auge de excitação descrito por uma testemunha hostil como ‘os mais impressionantes grunhidos, gritos, desmaios, convulsões e visões’, Croswell fez uma viagem de pregações no sudoeste de Massachusetts no início de 1742... Ele levava a si mesmo e aos seus ouvintes ao frenesi, até que, enquanto muitos clamavam em êxtase ou angústia, ele declarava ‘que o Espírito do Deus vivo tinha descido ou estava descendo entre eles.” (MATTOS, 2006, p. 70)

Um outro caso seria o do reverendo Nicholas Gilman, pastor em Durham. Nas palavras de Garret:

“No outono de 1741, ele começou a realizar reuniões vespertinas em casas particulares, nas quais lia em voz alta sermões de Edwards... Em um culto de vigília, o próprio Gilman teve uma experiência de êxtase e foi ‘levado a clamar em alta voz- Glória de Deus nas alturas, Glória ao Redentor etc.- por um tempo considerável. A experiência também o persuadiu de que as pessoas de sua igreja que haviam afirmado terem visto pombas, anjos e luzes brilhantes no templo tinham de igual modo sido visitadas pela divindade. Ele começou a registrar as visões de seus paroquianos e a lê-las em reuniões particulares. Não é de surpreender que os transes e as visões tenham se tornado cada vez mais frequentes. Uma jovem caiu em um êxtase prolongado no qual ‘ficou bendizendo e louvando a Deus em sussurros, na linguagem de uma alma virtualmente no céu.” (MATTOS, 2006, p. 72)

            Mas também haviam casos de ministros mal intencionados como é o caso de Davenport que incentivava nos cultos ruídos, brados e agitações do corpo. Este, anos mais tarde reconheceu seus excessos, entendendo que muitos eram resultado de influencia do diabo. (MATTOS, 2006, p. 71)

V- O CUIDADO DE EDWARDS E A APLICAÇÃO PARA OS DIAS DE HOJE

            Segundo Jonathan Edwards, existe um segredo para avaliar se alguma obra é de Deus ou não. Nas suas palavras, “devemos observar o efeito operado e se, ao examiná-lo, o acharmos em harmonia com a Palavra de Deus, devemos descansar nisso como uma obra de Deus.” (MATTOS, 2006, p. 47)

            Para o reformado Luiz Roberto França de Mattos, “o critério de Edwards para avaliar os fenômenos estranhos do Grande Despertamento não está relacionado com as experiências, mas com os seus resultados. A sua preocupação preliminar está ligada ao fim, a saber o efeito produzido, ao invés dos meios, as experiências em si mesmas. E quando ele avalia as consequências finais e duradoras dos fenômenos, ele encontra fortes razões para ver Deus como a fonte deles.” (MATTOS, 2006, pp. 53,54)

            Em outro trecho da obra, ele repete o argumento: “A grande preocupação de Edwards não se refere às próprias experiências, mas aos seus resultados. Deus é apresentado como a fonte principal desses fenômenos inusitados. Os seus resultados, afirma Edwards, asseguram isso.” (MATTOS, 2006, p. 67)

            Fica claro que Edwards usa o mesmo critério que mais à frente seria absorvido por John Wesley, incorporado por Charles Finney e herdado pelo movimento Pentecostal: Deus não está preso aos meios, nem aos métodos, mas está focado em resultados! Acontece que muitos reformados que admiram Edwards, fecham os olhos para essa realidade, enquanto que jogam pentecostais e seus antepassados na ala do pragmatismo.

            Outra coisa vale à pena ser dita é que Edwards não reconhece como espiritual toda e qualquer manifestação desta natureza, antes, ele reconhece que por trás de alguns destes fenômenos, por vezes, estava presente a ação de Satanás, tentando enganar os participantes e os promotores do avivamento. (MATTOS, 2006, p. 54)  No entanto, os frutos e a transformação que acompanham essas experiências são cruciais para identificar Deus como a verdadeira fonte desses fenômenos. (MATTOS, 2006, p. 67)

            Ele também faz importantes declarações sobre o lugar que as pessoas colocam essas manifestações, muitas vezes, acima da própria graça de Deus:

“Um homem pode ter dez mil dessas revelações e orientações do Espírito de Deus e ainda assim não ter uma vírgula de graça em seu coração... Se uma pessoa recebe alguma revelação  da parte de Deus ou é orientada a fazer qualquer coisa por uma voz do céu, ou por um sussurro, ou por palavras sugeridas à sua mente, não existe nada que tenha a natureza da graça simplesmente nisto; é algo que tem a natureza de uma influência comum do Espírito e não passa de escória em comparação com a excelência daquela direção graciosa do Espírito que os santos têm. Essa maneira de ser orientado sobre aonde ir e o que fazer não é mais do que aquilo que Balaão recebeu de Deus.” (MATTOS, 2006, p. 62)

Perceba que Edwards não está reprimindo ou desacreditando as revelações, antes, ele está exortando que quem as têm, não pode com isso achar que elas são superiores ou ocupam o lugar da revelação maior de Deus, a saber: Sua Graça Salvadora.

O mesmo acontece em sua avaliação sobre outras manifestações. Por exemplo, embora ele reconheça que não sejam melhores, ainda assim, elas resultam da grandeza das experiências espirituais:

“Nem sempre são melhores [as experiências] que são acompanhadas das afeições mais violentas, dos movimentos mais veementes da natureza animal ou que têm os maiores efeitos sobre o corpo... embora essas coisas com frequência resultem da grandeza das experiências espirituais.” (MATTOS, 2006, pp. 64,65)

Pois bem, é admirável que Jonathan Edwards há tantos séculos tenha uma visão anos à frente de muitos dos seus admiradores nos dias de hoje que jogam o “bebê fora junto com a água suja do banho.”

Isto é, os Cessacionistas não necessitam demonizar muitas manifestações que ocorrem nos dias de hoje, nem jogá-las nas costas de Pentecostais ou Neopentecostais visto que elas ocorreram inclusive no passado em arraiais reformados.

Por outro lado, pentecostais precisam parar de se esquivar dos registros históricos dessas manifestações em seu meio, na tentativa de se livrar das acusações vindas dos cessacionistas. Reconhecer que o cair no Espírito pode ser uma manifestação fruto do contato entre o divino e o humano, não faz do Neopentecostalismo um movimento limpo perante Deus e a Bíblia, da mesma forma que não significa que devemos encorajar tais manifestações e apoiá-las em todos os sentidos.

É preciso ter cautela e sobretudo sabedoria bíblica para lidar com cada caso, ao invés de colocar tudo numa caixa de sapato e tocar fogo. Que Deus continue nos ajudando e nos abençoando!

Obras Citadas

MATTOS, L. R. (2006). Jonathan Edwards e o Avivamento Brasileiro. São Paulo: Cultura Cristã.