26 de agosto de 2019

10 Alternativas para a sobrevivência e expansão da Teologia Pentecostal Clássica no Brasil




Por Everton Edvaldo

Cuidar do destino da Teologia Pentecostal Clássica no Brasil é um grande desafio. Enquanto que o Movimento, cresce e prospera no nível prático, o mesmo não pode ser dito do ponto de vista confessional. Isto é, poucos Pentecostais manuseiam com propriedade a teologia que sustenta todo o Movimento Pentecostal. O fenômeno por trás desse cenário, parece ser mais ou menos assim: A solidificação da Teologia Pentecostal Clássica não acompanha o crescimento numérico dos Pentecostais no mesmo ritmo. Ou seja, há muitos Pentecostais “na praça”, mas que são pequenos no conhecimento e compreensão do seu próprio credo. Ou em outras palavras, o domínio intelectual da Teologia Pentecostal Clássica[1] parece não sair dos círculos acadêmicos. O “povão Pentecostal” desconhece o básico da fé que o Movimento professa. Bem... Isso acontece por vários fatores... E já adianto: não é culpa do Movimento em si, mas muitas vezes, de que faz parte dele... Vou explicar para vocês alguns fatores:

Em primeiro lugar, o público popular Pentecostal, é majoritariamente composto por pessoas com baixo índice de escolaridade. Isto é, refletem apenas a situação educacional que a maioria do país oferece. Muitos brasileiros, mal sabem ler, ou são analfabetos funcionais.

Em segundo lugar, em muitos lugares, ainda há várias pessoas que oferecem algum tipo de resistência ao estudo ou à intelectualidade, seja ela teológica ou secular. Entre elas, algumas são líderes e pastores.

Em terceiro lugar, dos diversos pentecostais que há escolarizados, a maioria procura se especializar e se dedicar em outras áreas, menos na área teológica. Isto é, crescem em várias áreas do conhecimento e profissionalização, mas deixam a desejar no estudo teológico.

Em quarto lugar, alguns Pentecostais até conseguem alcançar um certo grau de maturidade no conhecimento da TPC, mas em algum momento do percurso, ocorre uma falha de comunicação no repasse desse grau alcançado a outras pessoas. Dificultando dessa forma, o diálogo e a construção do aprendizado.

Em quinto lugar, recebo vários e-mails dos Pentecostais perguntando quais livros indico para começar a estudar a Bíblia. A impressão que tenho muitas vezes, é de que há um bom quantitativo de pessoas querendo aprender, mas poucos líderes preparados e dispostos a ensinar.

Ainda há outras coisas que apesar de não justificar, explicam o porque há tantos pentecostais analfabetos no que diz respeito à sua confessionalidade. Contudo, por ora, vamos nos ater a esses detalhes expostos acima.

Dito isto, gostaria de acenar para outros problemas e apontar possíveis soluções para que possamos dar conta de um dos maiores desafios da atualidade: manter viva a TPC no Brasil.

Pois bem... O que gostaria de acenar é que se quisermos alavancar a TPC e conquistar o respeito de outros irmãos de confessionalidade distinta da nossa, teremos que trabalhar muito!

Digo isto, também é preico dizer que o que impede que isso aconteça é algo que já se estruturou há um bom tempo. Então o que devemos fazer, como proceder?

Bem, eu posso ajudar fazendo algumas observações, reflexões e dicar do que poderíamos fazer para mudar o quadro... Talvez alguém diga:

“É só os Pentecostais passarem a frequentar mais as EBDs e os cultos de doutrina...” Talvez isso seja bom, mas não o suficiente. Isto porque muitas vezes, as lições de EBD são até boas e bem escritas, porém, quem vai repassar o conhecimento não estuda, não se prepara e não comprometimento algum com a Palavra de Deus ou com o Deus a Palavra.

Então outra pessoa pode dizer: “Então é melhor mandar os Pentecostais para os seminários.” Pode ser, mas há dois grandes desafios: o primeiro é o nível de ensino de seminários que muitas vezes é baixíssimo. E segundo: há seminários que estão deixando entrar ensinos heterodoxos como o liberalismo teológico. Nessas circunstâncias, mandar um pentecostal para um seminário, seria como assinar seu atestado de óbito. Um caminho mais excelente seria enviá-lo para um seminário conservador e com um bom nível de ensino, que faça um trabalho relacional e bem equilibrado entre o caminho ministerial e teológico. Contudo, até mesmo nesse caminho há espinhos, pois, há poucos seminários nessa estirpe para a demanda de Pentecostais que existem...

Então... o que mais poderíamos fazer?

Bem, em primeiro lugar, devemos estimular a reflexão e produção teológica dos teólogos pentecostais que já temos. Isto é, devemos dar condições (financeiras, emocionais e denominacionais) para que eles produzam em todas as áreas, sejam elas teologia pública, apologética, confessional e principalmente pedagógica. Temos muitos Pentecostais no campo e poucos escrevendo... Essa discrepância é de se esperar, mas ao mesmo tempo é perigosa. Às vezes, me pego perguntando: quando essa geração de teólogos pentecostais partir, quem os sucederá?

Segundo, nós devemos quebrar o monopólio das editoras que representam hoje o Pentecostalismo. Aqui no Brasil, nós temos a CPAD que já fez muita coisa por nós, mas que poderia ter feito muito mais. Se a CPAD usasse apenas 50% do potencial que ela possui, o nível de obras teológicas que teríamos nas prateleiras das livrarias evangélicas seria outro. Existem muitas pérolas que autores nacionais produzem sobre Pentecostalismo, mas que não são publicadas simplesmente porque o autor não tem um nome ou uma influência no mercado. Sem falar na burocracia que dificulta bastante... E o que falar dos autores de fora, que são gigantes lá fora e completamente desconhecidos aqui no Brasil, simplesmente porque não são traduzidos? Hoje, graças a Deus, nós temos editoras como a Carisma e a Vida Nova que estão publicando e traduzindo livros que há muito tempo já deveriam estar nas nossas mãos. Minha oração é que Deus levante mais editoras assim, que chegam para somar e fazer a tarefa de casa.

Terceiro, vejo pentecostais que estão interessados em aprender mais sobre TPC, mas não possuem dificuldade em achar materiais para pesquisa. Bem... Em parte, isso se dá devido à falta de divulgação e marketing que há em nosso meio. Por outro lado, pela desunião que existem em alguns círculos. Somos especialistas em “ganhar almas”, mas nus, cegos e pobres no que diz respeito ao marketing. Investimos pouco no marketing dos nossos materiais e por isso, eles navegam pelos mares do esquecimento. Ou seja, o material/conteúdo está lá, mas faltam pessoas para divulgar, e como diz o ditado: “quem não é visto, não é lembrado.” Eu costumo dizer que os reformados têm muitas coisas a nos ensinar. Eles são pequenos e inofensivos em suas igrejas locais, mas gigantes na produção, marketing e na internet. Eles sabem bem usar a internet a seu favor. Algumas páginas reformadas na internet, possuem mais seguidores do que várias igrejas reformadas juntas. Qual segredo? E que além de bons marketeiros, eles também são unidos. Enquanto muitos pentecostais, vivem se digladiando na internet, eles procuram encontrar unidade na diversidade. Isto é, apesar das divergências, compartilham o que há em comum. A gente deixa que crenças secundárias nos inibam de compartilham um livro, autor ou página que discordamos em algum ponto, enquanto eles, não... Na minha humilde opinião, deveríamos explorar mais o território virtual. Essa ferramenta poderosíssima dá voz a quem não tem voz, recursos e visibilidade. Então porque não exploramos mais ela? Convido você a compartilhar livros, autores, blogs e canais do Youtube que são comprometidos com a TPC e dentro de poucos anos, o quadro será bem mais positivo. Essa é uma das maneiras mais eficazes e com menos custo para alcançar o povão em grande quantidade.

Quarto, se quisermos sobreviver e expandir a TPC, devemos conquistar nosso próprio espaço/território. Por exemplo, nossa teologia tem sido grandemente atacada e ridicularizada por irmãos de outras vertentes teológicas. Isso faz com que aqueles pentecostais mais simples, se sintam inseguros nas suas crenças e até fascinado por outras teologias... Por isso, devemos mostrar que nossa tradição é tão rica quanto qualquer outra. E que no quesito “teologia” não ficamos atrás, nem na frente de nenhuma outra vertente teológica.

Quinto, promover o diálogo com outras tradições. Uma das maneiras de conquistar respeito e espaço, é dialogando com outras tradições. Não falo de um diálogo inter-religioso, mas de um diálogo saudável, onde haja uma troca de conhecimento e oportunidade para todos.

Sexto, intensificar a capacitação de obreiros e líderes pentecostais através de seminários, workshops, palestras, cursos, centros de especialização e pesquisa.

Sétimo, descentralizar as concepções estritamente denominacionais da nossa teologia. A TPC na sua formação recebeu várias influências das mais diversas tradições e hoje, há denominações que se colocam como detentoras únicas da TPC e agem como se fossem donas da mesma. Por exemplo, umas das principais confusões nas discussões sobre Pentecostalismo é quanto a distinção entre Assembleianismo e Pentecostalismo que muitas vezes não é discernida nem feita/pontuada. Então deixe-me explicar: todo assembleiano é Pentecostal por natureza, tradição e teologia, contudo, o Pentecostalismo não se resume às Assembleias de Deus. O Movimento é muito maior e não está limitado/confinado a nenhuma denominação específica. Ele é inter-denominacional ou até mesmo, por assim dizer, a-denominacional, pois, não é propriedade de uma única denominação, até porque o Espírito Santo que é o verdadeiro Bispo e condutor por excelência desse movimento, é livre e sopra aonde quer. Bem... Uma das razões pelas quais ainda há essa confusão nos dias de hoje é pelo fato da Assembleia de Deus ser atualmente, a denominação que mais veste a camisa do Pentecostalismo, no que diz respeito à influência, popularidade e crescimento. Porém, em outras palavras, eu diria que o Assembleianismo é uma das maiores expressões do Pentecostalismo no mundo hoje, mas não a única. Há uma necessidade dessa descentralização para que se abra margens para que outros ramos pequenos também se destaquem e agreguem no nosso time. O que acontece quando se explode algum artefato? Ele se espalha não é mesmo? Porém, enquanto não há uma explosão, ele continua contido e sólido. Descentralizar, não vai enfraquecer os Pentecostais, apenas vai colocá-los como fagulhas cheias de conhecimento e poder em tudo que é lugar.[2]

Oitavo, investir sem reservas na juventude da igreja. Ela será responsável pelo futuro da TPC no Brasil. A demanda é urgente e para os dias de hoje. Temos que preparar o maior número de jovens possíveis, para que quando essa geração presente durma no SENHOR, a próxima esteja preparada para responder os desafios do seu tempo e por conseguinte, ter maturidade e preparação para repassar esse legado teológico a outros jovens.

Nono, atentar para a produção de teologia pública. Um dos recursos que podemos usar ao nosso favor, é o da teologia pública. Através dela, poderemos sobreviver em outros ambientes e lugares que não somente teológicos. Em parceira com outros espaços e áreas, nós poderemos influenciar efetivamente outras pessoas.

Por último e não menos importante, continuar trabalhando em nossas igrejas locais, através do ensino e da pregação, seja ela temática, expositiva ou textual. Para isso, devemos continuar estudando, aprimorando nossos conhecimentos e se especializando para cada dia mais oferecer e transmitir ao nosso povo pentecostal, o que há de mais sólido na TPC. 


[1] A partir de agora vamos se referir pela nomenclatura “TPC.”
[2] Sobre descentralização, veja a narrativa da torre de babel (Gênesis 11. 1-9) e da dispersão da Igreja em todo o livro de Atos. Em ambos os episódios, Deus fez espalhar as pessoas que estavam reunidas num só lugar. Esse ato fez com que os participantes desse evento, se espalhassem, no primeiro caso, territorialmente e linguisticamente, e no segundo, missionalmente.


19 de agosto de 2019

Um alerta sobre a "Theomania" nas igrejas Pentecostais e Carismáticas



Por Everton Edvaldo

Etimologicamente, theomania seria melhor traduzido literalmente como "mania de Deus." Alguns dicionários definem como sendo loucura religiosa, especialmente quando a pessoa acreditar ser um deus. No passado, muitas pessoas eram confundidas com a divindade ou se auto-proclamavam "deus" e gostavam de ser ovacionadas, honradas e adoradas. Bem, associado ao universo cristão, a theomania está ligada ao ato da pessoa se passar por Deus ou transmitir algo como se fosse Deus quem estivesse transmitindo, sem ser. Atualmente, a maioria dessas pessoas, frequentam igrejas Pentecostais e Carismáticas. O perfil delas carrega algumas características como:

São pessoas estritamente devotas, religiosas, espirituosas, ativas, legalistas e personalistas. As motivações por trás dessas motivações são várias, entre elas, psíquicas, emocionais e até mesmo demoníacas. 

Elas estão nas igrejas e se levantam como profetas dizendo ter uma mensagem da parte de Deus, sem ter. Às vezes, o conteúdo da mensagem transmitido por ela, é até verdadeiro, mas o gatilho que a impulsionou a fazer isso, não foi o Espírito Santo (como acontece nos dons de elocução, por exemplo: Profecia, Línguas e Interpretação das línguas). Tais pessoas conseguem facilmente a aprovação e admiração de muitos da igreja, por conta dessas manifestações e nós, devemos ficarmos atentos e julgar suas profecias, como nos ensina a Bíblia. 

Outra característica dessas pessoas, é elas dizem ouvir a todo momento a voz de Deus, possuem profundas revelações, visões e vivem profetizando sobre a vida de outrem: casamento, casa, emprego, etc. 

Perceba que o falso não tira o valor do verdadeiro. Não é porque existem essas falsas manifestações na igreja, que devemos ignorar, rejeitar ou desacreditar das manifestações autênticas. 

Por último, cuidado com quem você chama de profeta ou considera como sendo uma pessoa cheia de Deus. Talvez você esteja enganado... 

Patrística: A luta pela Defesa e Fundamentação doutrinária da Igreja Primitiva.


Por Everton Edvaldo


Introdução: Hoje vamos falar sobre um dos períodos mais gloriosos da igreja primitiva: a Patrística. Veremos o que foi, quais foram os principais personagens e escritos, o período em que se estenderam, as divisões, a importância, quantos escritos deixaram, como devemos estudá-los e quais são os perigos que devemos evitar ao fazer isso. Esse estudo é uma mistura de história, fé e ação e que sem dúvida vai agregar edificação à nossa vida. Vamos lá?

I-    O QUE FOI A PATRÍSTICA:

A Patrística foi a época em que emergiu os “pensadores e escritores cristãos dos primeiros séculos.” (CLEMENTE [Et. al], p. 7) Eles são chamados  de “pais”, porque intensificaram e sistematizaram muitas doutrinas importantes do Cristianismo.

O estudo da Patrística abrange tanto a figura dos pais, como também os seus escritos. Ele também é chamado de Patrologia “que vem da palavra latina pater.” (LITFIN, p. 20)

Foi um período em que as doutrinas cristãs foram pela primeira vez desenvolvidas. Graças a eles, o Cristianismo pode sobreviver às ameaças tanto do mundo, da filosofia e cultura romana, quanto das crenças que surgiram dentro da própria igreja.

II-  PRINCIPAIS PAIS DA IGREJA:

Vou deixar uma breve lista dos principais pais da igreja logo abaixo:[1]

Clemente de Roma (†102), foi o terceiro sucessor de Pedro, nos tempos dos imperadores romanos Domiciano e Trajano (92 a 102). No depoimento de Ireneu “ele viu os Apóstolos e com eles conversou, tendo ouvido diretamente a sua pregação e ensinamento”. (Contra as heresias)

Inácio de Antioquia (†110) foi o terceiro bispo da importante comunidade de Antioquia, fundada por Pedro. Conheceu pessoalmente Paulo e João. Sob o imperador Trajano, foi preso e conduzido a Roma onde morreu nos dentes dos leões no Coliseu. A caminho de Roma escreveu Cartas às igreja de Éfeso, Magnésia, Trales, Filadélfia, Esmirna e ao bispo Policarpo de Esmirna. Na carta aos esmirnenses, aparece pela primeira vez a expressão “Igreja Católica”.

Aristides de Atenas († 130) foi um dos primeiros apologistas cristãos; escreveu a sua Apologia ao imperador romano Adriano, falando da vida dos cristãos.

Policarpo (†156) foi bispo de Esmirna, e uma pessoa muito amada. Conforme escreve Irineu, que foi seu discípulo, Policarpo foi discípulo de João. No ano 155 estava em Roma com Niceto tratando de vários assuntos da Igreja, inclusive a data da Páscoa. Combateu os hereges gnósticos. Foi condenado à fogueira; o relato do seu martírio, feito por testemunhas oculares, é documento mais antigo deste gênero.

Didaquè (ou Doutrina dos Doze Apótolos) é como um antigo catecismo, redigido entre os anos 90 e 100, na Síria, na Palestina ou em Antioquia. Traz no título o nome dos doze Apóstolos. Os Pais da Igreja mencionaram-no muitas vezes. Em 1883 foi encontrado um manuscrito seu em grego.

Justino mártir nasceu em Naplusa, antiga Siquém, em Israel; achou nos Evangelhos “a única filosofia proveitosa”, filósofo, fundou uma escola em Roma. Dedicou a sua Apologias ao Imperador romano Antonino Pio, no ano 150, defendendo os cristãos; foi martirizado em Roma.

Hipólito de Roma (160-235) discípulo de Ireneu (140-202), foi célebre na Igreja de Roma, onde Orígenes o ouviu pregar. Morreu mártir. Escreveu contra os hereges, compôs textos litúrgicos, escreveu a Tradição Apostólica onde retrata os costumes da Igreja no século III: ordenações, catecumenato, batismo e confirmação, jejuns, ágapes, eucaristia, ofícios e horas de oração, sepultamento, etc.

Melitão de Sardes (†177) foi bispo de Sardes, na Lídia, um dos grandes luminares da Ásia Menor. Escreveu a Apologia, dirigida ao imperador Marco Aurélio.

Atenágoras (†180) era filósofo em Atenas, Grécia, autor da Súplica pelos Cristãos, apologia oferecida em tom respeitoso ao imperador Marco Aurélio e seu filho Cômodo; escreveu também o tratado sobre A Ressurreição dos mortos, foi um grande apologista.

Teófilo de Antioquia nasceu na Mesopotâmia, converteu-se ao cristianismo já adulto, tornou´se bispo de Antioquia. Apologista, compôs três livros, a Autólico.

Ireneu (†202) nasceu na Ásia Menor, foi discípulo de Policarpo (discípulo de João), foi bispo de Lião, na Gália (hoje França). Combateu eficazmente o gnosticismo em sua obra Adversus Haereses (Refutação da Falsa Gnose) e a Demonstração da Preparação Apostólica.

Clemente de Alexandria (†215). Seu nome é Tito Flávio Clemente, nasceu em Atenas por volta de 150. Viajou pela Itália, Síria, Palestina e fixou´se em Alexandria. Durante a perseguição de Setímio Severo (203), deixou o Egito, indo para a Ásia Menor, onde morreu em 215. Seu grande trabalho foi tentar fazer aliança do pensamento grego com a fé cristã. Dizia: “Como a lei formou os hebreus, a filosofia formou os gregos para Cristo”.

Orígenes (184-254). Nasceu em Alexandria, Egito; seu pai Leônidas morreu martirizado em 202. Também desejava o mártirio; escreveu ao pai na prisão: “não vás mudar de ideia por causa de nós”. Em 203 foi colocado à frente da escola catequética de Alexandria pelo bispo Demétrio. Em 212 esteve em Roma, Grécia e Palestina. A mãe do imperador Alexandre Severo, Júlia Mammae, chamou´o a Antioquia para ouvir suas lições. Morreu em Cesaréia durante a perseguição do imperador Décio.

Tertuliano (†220) de Cartago, norte da África, culto, era advogado em Roma quando em 195 se converteu ao Cristianismo, passando a servir a Igreja de Cartago como catequista. Combateu as heresias do gnosticismo, mas se desentendeu com a Igreja Católica. É autor das frases: “Vede como se amam” e “O sangue dos mártires é a semente de novos cristãos”.

Cipriano (†258). Cecílio Cipriano nasceu em Cartago, foi bispo e primaz da África Latina. Era casado. Foi perseguido no tempo do imperador Décio, em 250, morreu mártir em 258. Escreveu a bela obra Sobre a unidade da Igreja Católica. Na obra De Lapsis, sobre os que apostataram na perseguição, narra ao vivo o drama sofrido pelos cristãos, a força de uns, o fracasso de outros. Escreveu ainda a obra Sobre a Oração do Senhor, sobre o Pai Nosso.

Eusébio de Cesaréia (260-339) bispo, foi o primeiro historiador da Igreja. Nasceu na Palestina, em Cesaréia, discípulo de Orígenes. Escreveu a sua Crônica e a História Eclesiástica, além de A Preparação e a Demonstração Evangélica. Foi perseguido por Dioclesiano, imperador romano.

Atanásio (295-373) doutor da Igreja, nasceu em Alexandria, ainda jovem foi viver o monaquismo nos desertos do Egito,onde conheceu o grande Santo Antão(†376), o “pai dos monges”. Tornou-se diácono da Igreja de Alexandria, e junto com o seu Bispo Alexandre, se destacou no Concílio de Nicéia (325) no combate ao arianismo. Tornou-se bispo de Alexandria em 357 e continuou a sua luta árdua contra o arianismo (Ário negava a divindade de Jesus), o que lhe valeu sete anos de exílio. São Gregório Nazianzeno disse dele: “O que foi a cabeleira para Sansão, foi Atanásio para a Igreja.”

Hilário de Poitiers (316-367) doutor da Igreja, nasceu em Poitiers, na Gália (França); em 350 clero e povo o elegiam bispo, apesar de ser casado. Organizou a luta dos bispos gauleses contra o arianismo. Foi exilado pelo imperador Constâncio, na Ásia Menor, voltando para a Gália em 360, fazendo valer as decisões do Concílio de Nicéia. É chamado o “Atanásio do Ocidente”.Escreveu as obras Sobre a Fé, Sobre a Santíssima Trindade.

Efrém (†373), doutor da Igreja – é considerado o maior poeta sírio, chamado de “a cítara do Espírito Santo”. Nasceu em Nísibe, de pais cristãos, por volta de 306, deve ter participado do Concílio de Nicéia (325), segundo a tradição, com o seu bispo Tiago. Foi ordenado diácono em 338 e assim ficou até o fim da vida. Escreveu tratados contra os gnósticos, os arianos e contra o imperador Juliano, o apóstata.

Basílio Magno (329-379). Bispo e doutor da Igreja, nasceu na Capadócia; seus irmãos Gregório de Nissa e Pedro, são santos. Foi íntimo amigo de Gregório Nazianzeno; fez´se monge. Em 370 tornou´se bispo de Cesaréia na Palestina, e metropolita da província da Capadócia. Combateu o arianismo e o apolinarismo (Apolinário negava que Jesus tinha uma alma humana). Destacou´se no estudo a Santíssima Trindade (Três Pessoas e uma Essência).

Gregório Nazianzeno (329-390), doutor da Igreja – nasceu em Naziano, na Capadócia, era filho do bispo local; foi um dos maiores oradores cristãos. Foi grande amigo de Basílio, que o ordenou bispo. Lutou contra o arianismo. Sua doutrina sobre a Santíssima Trindade o fez ser chamado de “teólogo”, que o Concílio de Calcedônia confirmou em 481.

Gregório de Nissa (†394) – foi bispo de Nissa, e depois de Sebaste, irmão de Basílio e amigo de Gregório Nazianzeno. Os três santos brilharam na Capadócia. Foi poeta e místico; teve grande influência no primeiro Concílio de Constantinopla (381) que definiu o dogma da SS. Trindade. Combateu o apolinarismo, macedonismo (Macedônio negava a divindade do Espírito Santo) e arianismo.

João Crisóstomo (= boca de ouro) (354-407), doutor da Igreja, é o mais conhecido dos Pais da Igreja grega. Nasceu em Antioquia. Tornou-se patriarca de Constantinopla, foi grande pregador. Foi exilado na Armênia por causa da defesa da fé sã.

Cirilo de Alexandria (†444) – Bispo e doutor da Igreja, sobrinho do patriarca de Alexandria, Teófilo, o substituiu na Sé episcopal em 412. Combateu vivamente o Nestorianismo (Néstório negava que em Jesus havia uma só Pessoa e duas naturezas), com o apoio do papa Celestino. Participou do Concílio de Éfeso (431), que condenou as teses de Nestório. É considerado um dos maiores Pais da língua grega.

João Cassiano (360-465) – recebeu formação religiosa em Belém e viveu no Egito. Foi ordenado diácono por S. João Crisóstomo, em Constantinopla, e padre pelo papa Inocêncio, em Roma. Em 415 fundou dois mosteiros em Marselha, um para cada sexo. São Bento recomendou seus escritos.

Pedro Crisólogo (= palavra de ouro) (†450) – bispo e doutor da Igreja – foi bispo de Ravena, Itália. Quando Êutiques, patriarca de Constantinopla pediu o seu apoio para a sua heresia (monofisismo ´ uma só natureza em Cristo), respondeu: “Não podemos discutir coisas da fé, sem o consentimento do Bispo de Roma”. Temos 170 de suas cartas e escritos sobre o Símbolo e o Pai – Nosso.

Ambrósio (†397), doutor da Igreja – nasceu em Tréveris, de nobre família romana. Com 31 anos governava em Milão as províncias de Emília e Ligúria. Ainda catecúmeno, foi eleito bispo de Milão, pelo povo, tendo, então recebido o batismo, a ordem e o episcopado. Foi conselheiro de vários imperadores e batizou santo Agostinho, cujas pregações ouvia. Deixou obras admiráveis sobre a fé da igreja universal.

Jerônimo (347-420), “Doutor Bíblico” – nasceu na Dalmácia e educou-se em Roma; é o mais erudito dos Pais da Igreja latina; sabia o grego, latim e hebraico. Viveu alguns anos na Palestina como eremita. Em 379 foi ordenado sacerdote pelo bispo Paulino de Antioquia; foi ouvinte de Gregório Nazianzeno e amigo de Gregório de Nissa. De 382 a 385 foi secretário do Papa S. Dâmaso, por cuja ordem fez a revisão da versão latina da Bíblia (Vulgata), em Belém, por 34 anos. Pregava o ideal de santidade entre as mulheres da nobreza romana (Marcela, Paula e Eustochium) e combatia os maus costumes do clero. Na figura de Jerônimo destacan-se a austeridade, o temperamento forte e o amor à igreja.

Agostinho (354-430). Bispo e Doutor da Igreja ´ Nasceu em Tagaste, Tunísia, filho de Patrício e Mônica. Grande teólogo, filósofo, moralista e apologista. Aprendeu a retórica em Cartago, onde ensinou gramática até os 29 anos de idade, partindo para Roma e Milão onde foi professor de Retórica na corte do Imperador. 
Alí se converteu ao cristianismo pelas orações e lágrimas, de sua mãe Mônica e pelas pregações de Ambrósio, bispo de Milão. Foi batizado por esse bispo em 387. Voltou para a África em veste de penitência onde foi ordenado sacerdote e depois bispo de Hipona aos 42 anos de idade. Foi um dos homens mais importantes para a Igreja. Combateu com grande capacidade as heresias do seu tempo, principalmente o Maniqueismo, o Donatismo e o Pelagianismo, que desprezava a graça de Deus. Agostinho escreveu muitas obras e exerceu decisiva influência sobre o desenvolvimento cultural do mundo ocidental. É chamado de “Doutor da Graça”.

Bento de Núrcia (480-547) – nasceu em Núrcia, na Úmbria, Itália; estudou Direito em Roma, quando se consagrou a Deus. Tornou-se superior de várias comunidades monásticas; tendo fundado no monte Cassino a célebre Abadia local. A sua Regra dos Mosteiros tornou-se a principal regra de vida dos mosteiros do ocidente, elogiada por Gregório Magno, usada até hoje. O lema dos seus mosteiros era “ora et labora”.

Máximo, o Confessor (580-662) – nasceu em Constantinopla, foi secretário do imperador Heráclio, depois foi para o mosteiro de Crisópolis. Lutou contra o monofisismo e monotelismo, sendo preso, exilado e martirizado por isso. Obteve a condenação do monotelismo no Concílio de Latrão, em 649.

Ildefonso de Sevilha (†636) – doutor da Igreja. Considerado o último pai do ocidente. Bispo de Sevilha, Espanha desde 601. Em 636 dirigiu o IV Sínodo de Toledo. Exerceu notável influência na Idade Média com os seus escritos exegéticos, dogmáticos, ascéticos e litúrgicos.

João Damasceno (675-749). Bispo e Doutor da Igreja. É considerado o último dos representantes dos pais gregos. É grande a sua obra literária: poesia, liturgia, filosofia e apologética. Filho de um alto funcionário do califa de Damasco, foi companheiro do príncipe Yazid que, mais tarde o promoveu ao mesmo encargo do pai, ministro das finanças. A um determinado tempo deixou a corte do califa e retirou-se para o mosteiro de Sabas, perto de Jerusalém. Tornou-se o pregador titular da basílica do Santo Sepulcro.

III- O PERÍODO EM QUE SE ESTENDERAM E AS DIVISÕES.

Geralmente, a maioria dos estudiosos estendem o período da Patrística, do século II ao século VI d.C. Porém, alguns entusiastas alongam esse período até o século VIII d. C e um menor número, fecha no século XII d. C.

Para o sistematizador Johannes Quasten, a patrística começa ainda na época do N.T até Isidoro de Sevilha (636 d.C), no mundo latino, e João Damasceno (749 d. C) no mundo grego.[2]

As divisões também não são unanimes. Nós temos:

- Pais apostólicos, Apologistas e Polemistas.
- Pais Pré-Nicenos, Nicenos e Pós-Nicenos.
- Pais do Oriente (grego) e Ocidente (latino)

IV- PORQUE DEVEMOS LER OS PAIS?

- Porque eles foram majoritariamente responsáveis por construir a tradição da igreja.

- Porque ao estudá-los, nós podemos ter uma visão panorâmica e mais clara acerca da história da igreja e do seu modus operandi como por exemplo: estrutura eclesiástica, manifestações carismáticas e vida cristã.

- Porque foi no período deles que as principais heresias, modismos e falsas foram refutadas e repugnadas.

- Porque eles enriqueceram o pensamento, a filosofia e por conseguinte, a sociedade como um todo.

- Porque seus escritos são relevantes. Muitas pessoas pensam que a produção teológica de qualidade e confiável só surge a partir da Reforma Protestante, o que não é verdade, mas um grande engano. Ignorar os pais, é amputar 1/4 da história do Cristianismo.

- Porque seus escritos compõem a literatura mais próxima de Cristo, dos apóstolos e daqueles que tiveram contato com eles. 

- Tanto a vida deles como seus escritos formam a base da apologética (defesa da fé) e portanto, podem nos ajudar também nesta tarefa.

- Porque ao estudá-los, nós criamos pontes com o nosso passado e origem. É um verdadeiro encontro do presente com o passado.

- Porque "Escritura" e "Tradição", não são duas entidades concorrentes ou excludentes. Ambos possuem a sua devida importância.

V- COMO DEVEMOS ESTUDÁ-LOS?

- Em primeiro lugar, é impossível compreender bem e de forma precisa os pais, sem antes ter uma noção básica de filosofia. Digo isto porque parte da Patrística bebeu da lógica e do pensamento de alguns filósofos como Sócrates, Platão (esse em especial) e Aristóteles bem como de alguns gatilhos que eles possuíam. Lê-los sem esse conhecimento prévio, torna seus escritos maçantes, fatigantes e desinteressantes.

- Em segundo lugar, devemos lê-los à luz dos seus próprios contextos e épocas. Para isso, é bom adquirir livros que atualizem a época em que eles viveram bem como a cultura, costumes, escrita, povo, etc. Não fazer isso fará com que você veja seus escritos como exóticos e difíceis demais para leitura e compreensão. É um erro crasso ler os pais com os óculos da pós-modernidade, pois eles viveram em uma época específica.

-Em terceiro lugar, leia os pais através dos seus próprios escritos. Uma coisa é o que eles escreveram, outra coisa é o que os outros disseram acerca deles. São duas coisas totalmente distintas. Muitos estudantes da Bíblia, lê os pais com as lentes de outras pessoas, e isso pode prejudicar sua compreensão acerca deles. Claro que os livros podem intermediar e até mesmo contextualizar, porém, o caminho mais excelente é estudar os pais nas suas próprias fontes.

- Em quarto lugar, tenha consciência de que eles possuem uma escrita e estilo literário próprio, peculiar a eles. Isto significa dizer que não há uma homogeneidade em seus escritos, pois, um tem uma abordagem mais pedagógica, o outro mais questionador, o outro mais literal, outro mais alegórico, outro mais sistemático e metodológico, outro mais filosófico e reflexivo, outros mais pé no chão e objetivo/direto, outro mais prolixo.

- Em quinto lugar, leia os pais comparando seus escritos e pensamento com as Escrituras. Esse processo é chamado de "contraste''. Dessa forma, você poderá assimilar melhor o conteúdo que eles produziram.

VI- CUIDADOS AO LER OS PAIS:

- Não devemos tomar os pais como pessoas inerrantes.

- Não podemos colocar seus escritos no mesmo patamar das Escrituras, pois ela é inerrante, inspirada e poderosa.

- Nós devemos ler os pais como se estivéssemos comendo peixe. Ou seja, separando as espinhas do que é digerível. 

-  Nós devemos ter discernimento acerca da evolução do pensamento deles. Por exemplo, era muito comum os pais debaterem com outras pessoas e mudarem ou aperfeiçoarem algumas crenças pessoais.  Agostinho de Hipona mesmo, tem seu pensamento divido geralmente de duas formas: "Agostinho jovem" e o "Agostinho velho''.

- Nós devemos ter cuidado com algumas crenças heterodoxas que alguns deles criam como universalismo, por exemplo. 

VII- QUANTOS LIVROS OS PAIS DA IGREJA ESCREVERAM?

Quem de nós nunca sonhou em ter a coleção completa de 44 volumes da Paulus sobre a Patrística? Para quem não se lembra, a Patrística foi um grande período da história da igreja, em que os pais ou padres da igreja, consolidaram muitas das doutrinas cristãs que temos hoje. Eles fizeram parte da igreja primitiva e deixaram para nós um vasto material escrito, tratando sobre diversos assuntos e corrigindo dezenas de erros. Às vezes, errando, às vezes acertando, a Patrística é digna de ser estudada. Porém, conhecer seus escritos é um grande desafio.

O primeiro é o da tradução. Das centenas de volumes que existem, apenas poucas dezenas foram traduzidas para a língua portuguesa. O segundo é o da linguagem. Os patrísticos são exaustivos e possuem uma linguagem bem peculiar. Lê-los na maioria das vezes é maçante, cansativo e desmotivador para um público que não tem o hábito da leitura.

A coleção mais completa que temos em nosso país, é a da Editora Paulus. São 44 volumes bem resumidos e trazem alguns escritos de pais como Orígenes, Agostinho de Hipona, Leão Magno, Ambrósio, João Crisóstomo, Irineu de Lyon, Justino de Roma, Hilário de Poitiers, Gregório de Nissa, Gregório Magno, Eusébio de Cesaréia, Cipriano de Cartago, Ambrósio de Milão, entre outros. Ela custa atualmente: 3.320,00 R$.
Porém, o catálogo da Patrística é muito maior que isso.

Para você ter ideia, entre 1844 e 1864, um abade e padre francês chamado Jacques Paul Migne, publicou a coleção de Patrologia Latina. Ela é a maior e mais exaustiva coleção já publicada dos escritos existentes dos pais e doutores latinos da igreja primitiva e medieval. Ela cobre um período de tempo de Tertuliano (200 d.C) e vai até o Papa Inocêncio III em 1216. No total, são 221 volumes e cerca de 150.000 páginas escritas em latim.

Porém, não para por aí...

Entre 1857 e 1866, J.P. Migne também lançou a maior coleção já publicada dos escritos existentes dos pais e doutores gregos da igreja primitiva e medieval. Com a coleção da Patrologia Grega, nós podemos ter acesso aos escritos dos pais capadócios cujos trabalhos foram tão importantes para a formulação precisa da doutrina da Trindade contra o Sabelianismo por um lado, e o triteismo, por outro. São 161 volumes e 110.000 páginas.

Em 1886, o professor Rene Graffin embarcou na grandiosa tarefa de compilar os escritos dos pais que não foram incluídos nas obras monumentais de J.P. Migne. Ela resultou na coleção de Patrologia Siríaca e Oriental. São escritos dos pais da igreja em árabe, armênio, copta, etíope, grego, georgiano, eslavo e siríaco. Nela, há escritos teológicos, cartas e homilias dos primeiros pais orientais. Ela nos revela qual era o pensamento deles sobre as Escrituras, as doutrinas cristãs e as heresias que os assolavam. São 17 volumes e um total de 12.725 páginas.

Ainda hoje, várias outras obras dos pais da igreja estão sendo publicadas de forma independente. O trabalho não para. Além disso, se sabe que o possui um acervo gigantesco de obras da Patrística que poucas pessoas ou quase ninguém tem acesso. Muitas dessas obras, nós talvez nunca conheçamos. Sem contar naqueles que se perderam ao longo dos anos e que nunca teremos a oportunidade de ler. Sem dúvida, o período da Patrística foi riquíssimo em produção teológica e abastado de muito conhecimento.

No final das contas, nunca saberemos ao certo quanto livros a Patrística possui, mas é certo que ela foi incomparável e singular.

VIII- MATROLOGIA OU MATRÍSTICA:

Você sabia que também existiram mulheres nesse período que produziram e influenciaram bastante a geração em que viviam? Lamentavelmente, essa é uma lacuna que precisa ser preenchida, principalmente em solo brasileiro. Isto ocorre porque descobrir informações confiáveis sobre mulheres no cristianismo primitivo é um empreendimento desafiador.

O erudito Michael A. G. Haykin comenta:

"... a erudição desta época está agora disposta a falar das mães da igreja (''matrística'')... Mas o problema desta categoria de 'matrística' é que há poucas mulheres da igreja antiga que podem ser estudadas com profundidade semelhante ao estudo dos pais, visto que deixaram poucos remanescentes textuais.'' (HAYKIN, p. 15)

Eu costumo dizer que houveram pelo menos quatro fatores pelos quais a contribuição das mães da igreja ficou ofuscada, quase que apagada.

- Destaque. Apesar da mulher no Cristianismo ser bastante valorizada em comparação com outras religiões e povos, a igreja primitiva ainda estava na fase embrionária e era bombardeada o tempo todo pela cultura greco-romana que não era favorável à atuação da mulher na sociedade, embora história esteja repleta de exemplos notáveis de muitas delas. Isto, significa dizer que somente aquelas que se destacavam conseguiam trazer alguma contribuição significativa na sociedade. Não foi diferente na história da igreja, por isso temos tão poucas mulheres se destacando, embora massivamente elas tenham sido ativas.

- Produção. Um fato: As mulheres cristãs não produziram na mesma proporção que os homens. Naquela época, poucas tinham acesso a educação formal e portanto, não tinham condições de atuar na esfera literária da mesma forma que o homem. Resultado: Produziram pouca literatura, sem falar naqueles escritos que provavelmente devem ter se perdido em mosteiros, bibliotecas e batalhas.

Por isso que o Bryan M. Litfin comenta:

"A verdade é que houve muitas grandes mulheres na igreja antiga. Os cristãos do passado com frequência elogiavam as qualidades nobres e heroicas de santas mulheres, sobretudo as mártires e as virgens que viveram de modo consagrado a Deus. Mas devemos lembrar que na sociedade antiga as mulheres raramente aprendiam a ler e a escrever, e certamente não se esperava que tivessem uma produção literária intelectual. Por esse motivo, poucas obras de mulheres do período da igreja antiga chegaram até nós." (LITFIN, p. 20)

- Popularidade. Numa sociedade onde a popularidade era um "prestígio" quase que exclusivamente do homem, é de se esperar que elas e seus escritos não sejam populares nos dias de hoje.

- Influência. A soma desses três fatores contribui para o quatro. Além da dificuldade de destacar-se, da baixa produção e popularidade, a Matrologia não foi tão influente quanto a Patrologia. Geralmente, o testemunho dessas mulheres (seja de forma escrita ou verba) desempenhava uma influência local e discreta, sem muito alarde.

No entanto, a história atesta:  muitas delas deram uma importante contribuição para a igreja primitiva[3] como Bitalia, Veneranda, Crispina, Petronella, Leta, Sofia, a diaconisa, e muitas outras.[4]

Contudo, isso não significa que elas não estejam lá... Muito menos que devemos continuar desprezando-as. Em inglês nós temos dezenas de obras que falam acerca dessas mulheres. Elas deixaram contribuições sociais e teológicas nas mais diversas áreas, seja como pregadoras, filósofas, mártires, virgens, mães ou poetisas. [5]

Exemplos:[6]

Macrina, a jovem (327- 380 d.C). Foi a irmã mais velha de Basílio, o grande e Gregório de Nissa. Por ser uma mulher de caráter, exerceu uma grande influência sobre seus irmãos. A principal fonte de conhecimento sobre sua vida é a obra: "Macrina Junioris" de Gregório de Nissa. Ele também atestou uma competência como teóloga na obra: "De Anima et Resurrectione". Ela aparece nessa obra como sendo uma Mestra que expunha com argumentos racionais, a doutrina cristã.[7] Ela é considerada uma joia da biografia cristã do século IV.

Marcela (325-410 d. C). Foi uma cristã romana de grande habilidade intelectual. Capaz de conversar com qualquer um sobre qualquer assunto. "Jerônimo louva tanto sua devoção a Cristo como sua mente ativa e inquiridora." (Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja, p. 54)

Paula (347-404 d. C). Uma cristã que pertenceu à nobreza italiana. Responsável pela construção de várias igrejas, um hospital e alguns mosteiros, da qual era foi a primeira abadessa de um deles. Ela foi a figura feminina mais próxima de Jerônimo. [8]

Jerônimo dá testemunho acerca dela, cujo trecho é digno de ser reproduzido aqui. Ele diz:

"Ela memorizou a Escritura. [...] Insistiu comigo que, junto filha, poderia ler todo o Antigo e NovoTestamento. [...] Se em alguma passagem eu ficava confuso e confessava francamente que ignorava o sentido, ela não se contentava com minha resposta de forma alguma, mas por meio de novas perguntas, forçava-me a dizer quais dos muitos significados possíveis pareciam mais prováveis para mim.’’[9]

Melânia, a presbítera e a diaconisa Olímpia são dois outros exemplos de mulheres inteligentes, eruditas e piedosas. Melânia, por exemplo, "passava noite e dia percorrendo todos os escritos dos comentadores antigos, três milhões de linhas de Orígenes, e duzentas e cinquenta mil linhas de Gregório, Estêvão I, Pierius, Basílio e outros homens excelentes.' De fato, Paládio observa que Melânia lia cada obra 'sete ou oito vezes."[10]

Obras Citadas

CLEMENTE [Et. al]. Pais apostólicos. São Paulo: Mundo Cristão, 2017.
HALL, Christopher A. Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja. Viçosa: Ultimato, 2000.
HAYKIN, Michael A.G. Redescobrindo os Pais da Igreja. São Paulo: Fiel, 2012.
LITFIN, Bryan M. Conhecendo os Pais da Igreja . São Paulo: Vida Nova, 2015.





[1] A lista original pode ser consultada em: http://www.clerus.org/clerus/dati/2007-11/23-13/PadresIgreja.html. Texto com algumas adaptações.  Acessada, dia 24/07/2019 às 23:22.

[2][2] Conhecendo os pais da igreja, p. 20

[3] O renomado autor e especialista em patrística Mike Aquilina escreveu um livro, coescrito com Christopher Bailey, cujo título é: ''The Mothers of the Church: The Witness of Early Christian Women (Huntington: Our Sunday Visitor, 2012).'' O Mike Aquilina já escreveu sobre o testemunho das primeiras mulheres cristãs como: Blandina, Perpétua, Felicidade, Helena, Thecla, Inês de Roma, Macrina, Proba (a viúva), Marcela, Paula, Mônica, etc.

[4] Dois livros que documentam bem sobre elas são: "Crispina and Her Sisters" de Christine Schenk. Também temos: Christian Women in the Patristic World de Lynn H. Cohick; Amy Brown Hughes.

[5] Por exemplo, na obra Matrology, o erudito Andrew Kadel monta uma bibliografia das mães que viveram antes do século XV. Em cada trecho, ele faz uma breve descrição do escritor. É uma tentativa de listar todas as mulheres cristãs que escreveram antes de 1500, organizadas mais ou menos em ordem cronológica. 

[7] Livros sobre ela: ''The Life of Macrina by Gregory of Nyssa; Kevin Corrigan (Translator) Macrina the Younger, Philosopher of God by Anna M. Silvas; Gregory.

[8]  Lendo as Escrituras com os pais da igreja, p. 54.

[9] Lendo as Escrituras com os pais da igreja, p. 55.         

[10] Lendo as Escrituras com os pais da igreja, p. 55