8 de outubro de 2016

TIRADO DAS ÁGUAS- (Fatos quase desconhecidos sobre a narrativa do bebê Moisés no rio Nilo).


Por Everton Edvaldo

Leitura Bíblica: Êxodo 2.1-10

Introdução: É muito comum no meio evangélico o entendimento de que no nascimento de Moisés, o cesto onde sua mãe lhe colocou, se locomoveu pela correnteza do rio até o local próximo onde se banhava a filha de Faraó com suas donzelas. Existem até hinos relatando como teria sido essa cena. Os mais atrevidos, dão espaço à imaginação e inclusive, pregam acaloradamente mensagens em torno disso. Já ouvi sermões onde o pregador descrevia o bebê Moisés sendo levado pela correnteza saindo ileso dos ataques dos crocodilos. Embora seja algo simples, esse tipo de entendimento tem sido transmitido, propagado e repetido no púlpito das igrejas, sendo absorvido por muitos. É bem verdade que alguns pregam dessa forma por que lhe ensinaram assim. Infelizmente, não são todos os pregadores que se debruçam para examinar as Sagradas Escrituras. Nesse breve texto, pretendo fornecer algumas provas de que esse tipo de entendimento não é bíblico e mostrar o que as Escrituras realmente fala sobre o episódio relatado em Êxodo 2.1-10. Também abordarei algumas lições para nossas vidas. Boa leitura!

I- SITUANDO-SE NA NARRATIVA:

Ao estudarmos Êxodo 2.1-10, precisaremos dar algumas informações a fim de facilitar a compreensão da passagem. Por exemplo, a data do nascimento de Moisés. Alguns estudiosos afirmam que Moisés nasceu em 1525 a.C.

1. Contexto da passagem.

Moisés registra que o novo Faraó que se levantou no Egito viu o crescimento do povo de Israel, e temendo que se tornassem numerosos e se rebelassem contra o império, decidiu afligir os Israelitas com cargas, trabalhos pesados, etc. Porém, o seu plano foi frustrado pois o povo de Israel crescia, se espalhava e se multiplicava. Então ordenou que as parteiras hebréias matassem os meninos recém-nascidos hebreus. Entretanto, Moisés informa que as parteiras temeram a Deus e não obedeceu ao rei do Egito.

Insistindo em seu plano maligno, Faraó ordenou que todos os filhos que nascessem aos hebreus, fossem lançados no Nilo, porém as filhas deviam deixar viver.

2. Personagens envolvidos.

Nesses 10 versículos da passagem em foco, podemos identificar as pessoas envolvidas na narrativa. Temos o pai de Moisés, sua Mãe (Joquebede), o bebê Moisés, a irmã de Moisés (Miriã), a filha de Faraó (alguns estudiosos a identificam como sendo Hatshepsut) e as donzelas que acompanhavam a princesa.

3. A atitude dos pais de Moisés diante do decreto.

Diz a Bíblia que os pais de Moisés o esconderam durante três meses. Os pais não queriam ver seu filho sendo devorado pelos crocodilos. Eles o escondem pela fé conforme diz o autor aos Hebreus: "Pela fé, Moisés, apenas nascido, foi ocultado por seus pais, durante três meses, porque viram que a criança era formosa; também não ficaram amedrontados pelo decreto do rei." (Hebreus 11.23). Esconder Moisés exigia cautela e prudência! "Se não o tivessem escondido cuidadosamente, as tropas de Faraó teriam pego o menino e o lançando aos crocodilos, preciso ordem do rei." (SWINDOLL, p. 39).

Como podem ver, eles não ficaram amedrontados com o decreto do rei, porém tiveram fé em Deus. Eram da família de Levi e conheciam o Deus do seu povo.

Muitas vezes, o que nos impede de confiar em Deus é o medo. O medo é um dos obstáculos espirituais bastante usado pelo maligno para nos amedrontar. Quando o perigo bater à nossa porta, devemos lançar o medo fora e confiar exclusivamente em Deus.

Estando ciente disso, Joquebede tomou um cesto de junco, o preparou e após colocar Moisés dentro, leva-o à beira do rio onde larga-o.

Primeiro vamos desconstruir alguns entendimentos que as pessoas têm da passagem (apresentando argumentos) para depois voltar a abordar o episódio com mais claridade.

II- O ARGUMENTO GEOGRÁFICO:

Não precisa ser um "expert" em Bíblia para saber que caso Moisés tivesse sido colocado na correnteza do rio, era natural que o cestinho onde ele estava deveria seguir o curso natural do Nilo. O problema não está no rio, mas sim na direção da sua correnteza. Você pode pegar qualquer mapa (que em geral vem impresso nas Bíblias) e encaixar as informações que fornecerei abaixo.

O povo de Israel residia em Gósen, no delta do Nilo, uma região bastante fértil do Egito. A população israelita se estabeleceu ao redor do rio Nilo e lá se desenvolveram. O rio Nilo deságua no Mar Mediterrâneo ao Norte do Egito. Se o cestinho (onde Moisés estava) tivesse sido lançado na correnteza do rio, conforme alguns pregadores afirmam, seria natural que seu destino fosse o Mar Mediterrâneo e não o palácio de Faraó, já que este ficava no sul do Egito. Não duvido que Deus tenha poder para isso, mas supor que o cestinho teria navegado contra a correnteza é um absurdo.

III- ARGUMENTO BÍBLICO:

Certamente, esse entendimento equivocado que estamos analisando no presente texto, não tem base bíblica. O nascimento de Moisés está registrado em Êxodo 2.1-10. Vamos fazer uma explanação da passagem.

Primeiramente, a Bíblia não diz que o cesto de junco foi colocado no meio do rio. O versículo 3 nos informa que a mãe de Moisés "largou-o no carriçal À BEIRA DO RIO." Moisés não nos revela a intenção dela, mas podemos inferir os reais motivos e a partir deles, desconstruir alguns mitos. Por exemplo:

a) Joquebede não sabia que a filha de Faraó se banharia naquele dia. Os israelitas comuns não tinham acesso à agenda real.

b) Mesmo se soubesse, a probabilidade dela colocar Moisés no rio é mínima, pois estaria correndo o risco de ser denunciada pela filha de Faraó.

c) Ela também tinha a noção que a princesa ao encontrar o menino no cesto, poderia lançá-lo aos crocodilos, visto que essa era a ordem de seu pai. Ou conforme pontou Charles Swindoll: "A princesa poderia muito bem obedecer ao decreto severo do pai, mergulhando o bebê na água, afogando-o bem ali. Não havia segurança." (SWINDOLL, p. 42).

d) Não era comum as filhas de Faraó se banharem no rio Nilo. Era perigoso pois o rio tinha muitos crocodilos. Além disso, o palácio estava repleto de piscinas e lugares para banhar-se. No dia em que encontrou Moisés, a filha de Faraó estava possivelmente fazendo algum ritual aos deuses pagãos.
Logo, não podemos concluir que Joquebede colocou Moisés ali com a intenção de que a princesa o salva-se.

IV- A INTENÇÃO, O CUIDADO E O PLANO DE JOQUEBEDE:

Qual era a intenção de Joquebede? Lançar Moisés no rio para que morresse conforme a ordem de Faraó? Também não! Joquebede era uma mulher de fé! Se intenção fosse de matá-lo, ela teria realmente o lançado no para que fosse devorado pelos crocodilos. Porém ela não fez isso, pois tinha a intenção de salvá-lo, preservá-lo e protegê-lo. Sua casa já não podia esconder o recém nascido. Nessa época, Arão (irmão de Moisés), tinha pouco mais de 3 anos. Já Miriã (também sua irmã), tinha aproximadamente 12 anos, afirmam os estudiosos.

É provável que existisse uma perícia periodicamente nas casas, feita pelos soldados ou empregados de faraó, a fim de ver se os hebreus estavam obedecendo o decreto de lançar todo menino recém-nascido no Nilo. "Os egípcios talvez tivessem instituído buscas de casa em casa por causa do boatos de bebês escondidos." (SWINDOLL, p. 40).

Voltando à passagem, Joquebede conseguiu conter o menino por três meses. Sabendo que não demoraria muito para que descobrissem, resolveu fazer o cesto de junco (Tēbhāh = cesto, arca, caixa.) e colocar a criança dentro.

Acredito que foi no dia de uma dessas perícias que ela colocou Moisés entre os juncos à beira do rio (Śāphāh = margem, borda, beira, lado, extremidade, orla), e deixou Miriã observando de longe o que haveria de acontecer com o menino. Então Moisés fica escondido entre os juncos à beira do rio. "O junco era uma planta alta, com colmo fino, que cresce nos alagadiços e que o vento facilmente dobra. Além do papel, a planta também era usada para o fabrico de pequenas embarcações e cestos (Êxo. 2:3)." (CHAMPLIN, p. 668.). "Apesar de muito flexíveis, são plantas fortes. A mãe de Moisés provavelmente entrou na água e prendeu o cesto num lugar especial. Ela não o empurrou simplesmente na correnteza, cantando "o que será será...", mas colocou-o exatamente onde queria." (SWINDOLL, p. 41).

V- A RESPONSABILIDADE DE MIRIÃ COMO OBSERVADORA:

Nesse momento, Miriã fazia o papel de vigilante da criança! Estava encarregada de observar o haveria de acontecer. "Observar" foi a tradução do vocábulo hebraico Yādha, raiz primitiva que significa: "conhecer", "saber" (constatar pela visão), "observar", "cuidado", "espiar", "experimentar", "vivenciar", "sentir", etc.

Ao que parece, Joquebede volta para casa, e o plano seria mais ou menos esse: voltar para casa e aguardar juntamente com seu esposo, a perícia das tropas egípcias. Depois que fossem embora, ela regressaria para buscar Moisés! Era um plano arriscado, mas essa era a alternativa que ela encontrou. Joquebede além de ser uma mulher de fé, era estratégica!

À essa altura da análise da passagem, nenhum detalhe fornecido não pode passar desapercebido. É no versículo 4 que Miriã é descrita como expectadora de todo aquele episódio. Ela só tinha 12 anos, não devia estar tão distante de onde morava! Moisés estava escondido entre os juncos à beira do rio.

Não há registros de que Miriã tenha acompanhado o cestinho navegando pelo rio. Caso tivesse acontecido assim, Joquebede estaria arriscando a vida dos seus dois filhos.

VI- A FILHA DE FARAÓ ENCONTRA MOISÉS E SE COMPADECE DELE:

Por outro lado, a filha de Faraó DESCE para se banhar no rio (veja que em momento algum o texto diz que o cestinho saiu navegando pelo rio em direção à princesa). Ela estava acompanhada por suas donzelas, que passeavam pela beira do rio.

Essa descrição do verso 5 foi comunicada pela própria Miriã que via tudo de longe. Inferimos que ela contou a sua família, e que lá na frente, relatou ao próprio Moisés como aconteceu.

Então a princesa vê o cesto no carriçal (veja que ele está no mesmo local onde foi colocado), envia uma criada e o toma. Ao abrir se deparou com a criança. Moisés chorava! Essa cena ficou marcada na memória de Miriã. Sua mãe cercou o cesto de tal modo que ali os insetos não perturbassem seu filho. Isso não impediu que Moisés chorasse. Estava agoniado naquele cesto escuro, longe de sua família.

Não é Moisés que vai até à princesa, é a princesa que vai até o local perto onde ele estava, e ali manda trazê-lo!

Nessa hora, talvez Miriã estivesse trêmula por dois motivos: primeiro, seu irmão estava em perigo; segundo, ela não podia fazer nada com as mãos. A reação de Miriã não foi registrada na Bíblia, entretanto, imagine comigo: Joquebede livrou seu filho das tropas de Faraó por três meses, e agora Moisés estava ali nas mãos da filha do homem mais cruel daquele império!

Enquanto isso, supomos que Joquebede estava em casa. Não sabia o que estava acontecendo! A Bíblia diz que a filha de Faraó teve compaixão do menino. O ódio de seu pai não transpareceu naquele momento. Ela logo reconheceu a identidade da criança.

Moisés chorava, parecia estar faminto! Precisava ser amamentado! Sendo assim, a filha de Faraó ainda não o levaria para o palácio. A princesa se encantou com o menino a tal ponto de não querer matá-lo. O versículo 2 informa que Moisés era formoso (hb. Tôbh: "formoso", "belo", "agradável").

É interessante que o rio Nilo era um ambiente de morte, muitos bebês eram lançados ao Nilo para serem consumidos pelos crocodilos. A atitude da princesa devia ser a mesma. Porém, Deus contraria a lógica humana e traz vida àquele ambiente. O que Moisés tinha que encantou a filha de Faraó? Não sabemos! Não era ele um simples recém-nascido hebreu? Aparentemente sim! A princesa jamais imaginava que ali estava diante de si, aquele que libertaria Israel do Egito! Naquele momento, o que estava planejado para dar errado, deu certo. "Este é menino dos hebreus." disse a princesa às donzelas.

Possivelmente, a princesa identificou que era um menino hebreu pelas vestes do menino, típica de israelitas. Sim, as vestes dos hebreus eram diferentes das vestes egípcias!

VII- A ATITUDE ESTRATÉGICA DE MIRIÃ TRAZ MOISÉS DE VOLTA PARA JOQUEBEDE:

Miriã que de longe observava tudo, precisava tomar uma atitude, não tinha muito tempo. Ficar, fugir ou ir buscar ajuda? Era isso que se passava em sua mente. Se Miriã tivesse ido embora buscar ajuda ou fugir, talvez nunca mais veria Moisés. Ela não sabia o que faria a princesa com seu irmão.

A narrativa bíblica continua: "Então a irmã do menino aproximou-se e perguntou à filha de Faraó: 'A senhora quer que eu vá chamar uma mulher dos hebreus para amamentar e criar o menino?' 'Quero', respondeu ela. E a moça foi chamar a mãe do menino. Então a filha de faraó disse à mulher: 'leve este menino e amamente-o para mim, e eu pagarei você por isso.' A mulher levou o menino e o amamentou." (Êxodo 2.7-9 NVI).

Miriã entra em cena com um plano! Entretanto, foi preciso coragem para executá-lo. Saiu de onde estava com uma sugestão e se direciona à princesa. Quem sabe não lhe vieram dúvidas à mente? "Eu só tenho doze anos, será que ela vai me ouvir?"

Com coragem, Miriã apresenta sua sugestão e a princesa se agrada. Sem perder tempo, ela chama sua mãe Joquebede. Seja correndo ou andando, a moça chega em casa. Com coração acelerado, Miriã conta o episódio e Joquebede prontamente vai ao local. Algo extraordinário estava acontecendo!

Joquebede recebeu autorização real para amamentar e criar seu filho livremente, e ainda seria paga por isso! Deus lhe deu três coisas: seu filho, autorização e remuneração.

A expressão "cria-mo" usada no versículo 9, vem do hebraico Yānaq, raiz primitiva que significa: "dar leite", "amamentar", "criança de peito", "sugar." Provavelmente, Moisés ficou com Joquebede até os três ou quatro anos, tempo suficiente para criá-lo no temor de Deus!

"Tendo o menino crescido, ela o levou à filha do faraó, que o adotou e lhe deu o nome de Moisés, dizendo: 'Porque eu o tirei das águas'." (Êxodo 2.10 NVI). Moisés (hb. Mošeh: tirar da água, isto é, resgatado).

Conclusão: Diante de tudo que foi abordado acima, podemos compreender a grandeza de Deus na preservação da vida de Moisés. Hoje, o Senhor continua cuidando dos seus, dando-nos estratégias para viver nesse mundo maligno.

Com Joquebede eu aprendo a confiar em Deus e não temer as afrontas do adversário. Ainda que não estejamos entendendo as tempestades que estão nos cercando, devemos confiar em Deus assim como Joquebede. Preserve, cuide, ame, faça tudo que estiver ao alcance para proteger sua família e as pessoas que você ama.

Com Moisés eu aprendo e a esperar em Deus e a ter convicção de que dele vem o nosso socorro. O socorro de Moisés foi enviado pela próprio Deus. Não era só a vida de um menino que estava sendo salva. 80 anos depois, toda a nação de Israel estaria sendo liberta do Egito, pelo poder de Deus através de Moisés. Quando repousamos sob os cuidados de Deus o mal pode até nós cercas, porém a vitória é certa!

Com Miriã eu aprendo a observar o meu irmão, independente da idade. Miriã é a prova viva de que a maturidade se demostra nas mais simples atitudes. Miriã sentiu de perto a dor da sua mãe e sua preocupação. Era uma moça responsável e obediente. Não se desesperou com as dificuldades. Em vez de fugir, ficou, pensou e elaborou uma solução. Precisamos de pessoas como Miriã nessa vida. Já temos muita gente que identificam o problema, mas não providenciam a solução.

Com a filha do Faraó, eu aprendo que Deus também trabalha no coração daquelas pessoas que menos esperamos. Ninguém imaginava que a princesa reagiria daquela maneira. O ódio deu lugar à compaixão. Poucas pessoas percebem isso, mas a princesa desobedeceu seu próprio pai. Ela reconheceu que o menino era hebreu e mesmo assim insistiu em deixá-lo viver.

Por fim, eu aprendo com Deus, o único digno de todo mérito nesse acontecimento. Que possamos ser gratos a Deus por tudo que tem ele tem feito por nós, em nome de Jesus! Amém!

BIBLIOGRAFIA:

Bíblia de Estudo Palavras-Chave Hebraico e Grego. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
CHAMPLIN, R.N. Enciclopédia de Bíblia, teologia e filosofia. Vol 3. São Paulo: HAGNOS, 2004.
SWINDOLL, Charles. Moisés: um homem dedicado e generoso. São Paulo: Mundo Cristão, 2000.