18 de março de 2020

A Teologia Lucana é diferente da Paulina?


Por Everton Edvaldo

Uma das verdades mais inevitáveis da vida é que quando as questões mudam, as respostas também devem mudar. Isso se aplica a todas às grandes questões do tempo.  Depois da Segunda Guerra Mundial, os Pentecostais passaram a se aproximar cada vez mais com os Evangélicos e vice versa. Essa mudança de atmosfera promoveu uma alteração significativa em nosso movimento, pois uma vez que cada dia mais estávamos adentrando no mundo acadêmico, logo veio a identificação com a Hermenêutica do Evangelicalismo que por um lado, apoia boa parte das doutrinas que cremos e que por outro, apresenta grandes desafios aos nossos distintivos, tornando nossas antigas respostas inadequadas para o novo contexto. James Dunn foi um dos que apontou a falha metodológica dos argumentos tradicionais dos Pentecostais e a falha era gritante: tratar o Novo Testamento como se fosse um todo homogêneo. Dunn foi além: propôs uma abordagem menos conflituosa: Tomar cada autor e livro separadamente em seus próprios termos e contextos e uma vez entendido isso, o teólogo ou interpréte está livre para interagir com outros blocos e autores da Bíblia. A partir daí, o foco muda da Teologia Sistemática para a Teologia Bíblica. A segunda procura analisar os autores bíblicos em seus próprios termos. Se apropriando sabiamente da Crítica da Redação e da Forma, I. Marshall foi um dos primeiros a introduzir no meio evangélico o conceito de que cada autor bíblico tem sua própria teologia e agenda teológica. Essa abordagem foi absorvida por boa parte dos acadêmicos Pentecostais (como Robert Menzies, Roger Stronstad, Donald John e vários outros) e aplicada à plataforma de discussão da Doutrina da Subsequência e Evidência Inicial, possui as seguintes características:

1- A Pneumatologia de Lucas é diferente da de Paulo. E isso se dá porque a teologia (não somente a ênfase) de cada um é diferente. 

2- Por outro lado, essa distinção não é contraditória, mas complementar. Isto é, Paulo e Lucas se complementam em suas divergências teológicas. 

3- Naturalmente, isto não significa dizer que não haja pontos de convergência (em comum) entre os dois. 

4- As diferenças teológicas fazem parte do desenvolvimento harmonioso ao invés de contradições irreconhecíveis. Ou seja, elas podem ser reconhciliáveis, mas somente depois de analisadas em seus próprios termos.

5- Isto também significa que os termos comuns entre Paulo e Lucas, nem sempre apontam para a mesma verdade. Por exemplo, para Lucas, a língua é sinal do Batismo no Espírito Santo. Para Paulo, a terminologia é usada para se referir ao dom de variedade. Paulo fala do Batismo no Espírito (ou pelo Espírito) na conversão, enquanto que Lucas fala de um batismo logicamente distinto da conversão. Para Lucas, ser cheio do Espírito significa manifestar carismas e demonstrações externas, proféticas e poderosas do Espírito. Para Paulo, a ética é o que caracteriza a plenitude do Espírito. Paulo coloca como crucial a observação do aspecto do caráter na ordenação de pessoas ao Ministério, enquanto que Lucas, observa mais o aspecto carismático. 

6- Mesmo que as crenças de Paulo ou qualquer outro personagem bíblico estejam dentro do corpo escriturístico Lucano, ainda assim eles estão dentro da seleção teológica de Lucas. A Teologia Lucana recebe influências de várias fontes (inclusive apostólica) mas como produto final e no todo, é uma contribuição singular e distinta da de Paulo. 

7- A distinção teológica entre ambos os escritores diz respeito apenas ao que eles produziram por escrito. Isto significa dizer que não estamos ensinando que Paulo não cria no que Lucas cria e vise versa. 

15 de março de 2020

O Fogo Estranho não descredibiliza o Fogo Verdadeiro


Por Everton Edvaldo

Numa época onde muitos Cessacionistas desonestamente usam exemplos de fogo estranho a fim de desprezar aquilo que é genuíno e puro entre o povo de Deus, vale à pena uma Reflexão com base num texto do teólogo Pentecostal Stanley H. Frodsham (1936):

"Lemos que dois filhos de Arão ofereceram foto estranho perante o Senhor. Não era aceitável, e eles foram destruídos. Muitos estão acendendo fotos que não são o fogo do Espírito Santo, e o juízo virá sobre tais tentativas de substitutos para o verdadeiro fogo que Deus enviou no céu no Dia de Pentecostes. O símbolo notável de Pentecostes era a língua de fogo. O fogo de Deus desceu sobre o sacrifício aceitável, e aqueles cento e vinte que aguardavam tornaram-se tochas para Deus. Suas línguas eram de fogo. A sua expressão era a do Espírito. Esse último membro rebelde foi levado para o cativeiro, e eles falaram com outras línguas, conforme o Espírito de Deus lhes concedia que falassem. Deus tinha plena posse, e eles estavam cheios do verdadeiro fogo do céu. Os fogos do entusiasmo humano não tomarão o lugar deste fogo abençoado do céu. A igreja fria e morna de hoje precisa ser despertada para ver a necessidade do Batismo no Espírito Santo e fogo que eles tinham no Dia de Pentecostes."

Você já ouviu falar na Xenografia e na Glossografia?



Por Everton Edvaldo

Quando estudamos a história da igreja atentamente, percebemos que existiram muitos tipos de manifestações espirituais em cristãos genuínos que não são comuns ou bem vindas entre nós. É o caso por exemplo, da Glossografia e da Xenografia, termos usados por alguns estudiosos para descrever o fenômeno sobrenatural entre alguns cristãos ao longo do tempo de escrever em línguas ininteligíveis ou em idiomas desconhecidos/jamais aprendidos. Um desses exemplos ocorreu com Hildegarda de Bingen (1098-1179), uma cristã alemã que se tornou líder de um convento perto de Bingen. Conta-se que ela exerceu muitos dons espirituais, chegando a experimentar visões (cerca de 26) e a cantar em línguas desconhecidas. Além disso, ela escreveu livros sobre a vida de cristãos piedosos, dois livros de medicina, de história natural, homilias e hinos, muitos deles em latim, uma língua praticamente desconhecida para ela (Evidência Inicial, p. 42,43). 

Podemos encontrar muitos outros relatos no começo do Movimento Pentecostal. Um deles, registrado por Charles Fox Parham, pioneiro do Pentecostalismo que via como genuíno o relato da missionária Jennie Glassey que segundo ele "recebeu o dialeto africano em uma noite [...] Ela recebeu o dom enquanto estava no Espírito em 1895, mas podia ler e escrever, traduzir e cantar a lingua... Sua experiência cristã é de uma santa consagrada e cheia do Espírito Santo." (Evidência Inicial p. 95)

Agnes Ozman, a primeira aluna de Parham a falar em línguas, passou pelo menos três dias falando e escrevendo no que acreditava ser a língua chinesa (Evidência Inicial p. 96)

Em Los Angeles, em 1906, o jornal da Rua Azusa celebrou o "dom da escrita em línguas desconhecidas" em uma nota sem título em Apostolic Faith (Evidência Inicial p. 117). "O argumento que deve ter sido usado era que, uma vez que 'a evidência bíblica' ou o 'dom de línguas' era 'linguagem', deveria ser possível reduzi-la a uma variedade de formas linguísticas, incluindo as escritas. Mas, no verão de 1907, uma nota apareceu na Fé Apostólica (Los Angeles) que na Rua Azusa estavam 'medindo tudo pela Palavra, toda experiência deve estar à altura da Bíblia.' Na edição seguinte, a celebração do 'escrever em línguas' tinha voltado ao ceticismo. 'Não lemos nada na Palavra sobre a escrita em línguas desconhecidas' anunciou, 'por isso não encorajamos isso em nossas reuniões." (Evidência Inicial p. 117).

Certamente ainda há muitas dúvidas que jamais obteremos respostas claras na Bíblia no que tange às línguas (sejam elas ininteligíveis ou idiomáticas), mas uma coisa que jamais podemos ignorar é que o Espírito Santo pode conceder variações do falar em línguas a um cristão, que além de falar, pode cantar e escrever em línguas. Se alguém me perguntar se existe algum caso registrado na Bíblia dessa experiência, minha resposta sem dúvida, será um sonoro "não". Mas se você me perguntar se eu acredito que Deus possa usar alguém dessa forma, eu respondo que "sim." No entanto, vale lembrar que não é toda experiência dessa natureza que reconheço como genuína. É preciso ter discernimento do Espírito, e sobretudo, bom senso para que não possamos chamar de "Águia" aquilo que é "Urubu". Que Deus nos ajude! 

14 de março de 2020

12 Curiosidades sobre Charles F. Parham, o Pai do Pentecostalismo


Por Everton Edvaldo


12 Curiosidades sobre Charles Fox Parham, Pai do Pentecostalismo

1- Aos 15 anos, ele já realizava reuniões de Avivamento. 

2- Chegou a  se matricular no curso de Teologia por três anos consecutivos, muito embora nunca tenha se formado por questões pessoais e ministeriais.

3- Aos 20 anos, sem ser casado, foi ordenado pastor da igreja Metodista, cargo que exerceu por um curto período de 2 anos. 

4- Acreditava que o batismo nas águas, era na melhor das hipóteses, um ritual sem sentido. 

5- Em 1885 abandonou a igreja Metodista para pregar às multidões a mensagem do Evangelho.

6- Em Topeka, fundou a Casa de Cura Betel, um local que serviu como retiro para aqueles que buscavam a cura para suas doenças e enfermidades de modo geral. Além de momentos de oração, a casa ofereceu uma variedade de serviços, incluindo treinamento dos obreiros, através de um instituto bíblico, um serviço de orfanato temporário, um gabinete de emprego cristão e missões de resgate de prostitutas e sem-teto, além de um Jornal (A Fé Apostólica).

 6- Ensinou que o Batismo no Espírito Santo era uma obra distinta da regeneração e Evidenciada pela Xenolalia (línguas idiomáticas) que selava a noiva e concedia dons espirituais ao crente. 

7- Sua conceção escatológica foi influenciada por crenças pré-milenistas e dispensacionalistas de John Nelson Darby e dos irmãos Plynmouth.

8- Em 1906, estima-se que seus seguidores girava em torno de 5 a 10 mil pessoas. 

9- Em 1907, sua reputação foi manchada por uma acusação escandalosa de Sodomia, muito embora o caso nunca tenha chegado a julgamento, o que arruinou uma influência dele ainda maior no jovem Movimento Pentecostal que agora já estava fora do seu controle, além das relações conflituosas com Wilbur Glenn Voliva (Zion City) e William Seymour (Los Angeles) dois líderes do Movimento. 

10- Ele defendeu posições teológicas que não tiveram influência intensa no Pentecostalismo Ortodoxo posterior, como a ênfase da imersão triúna, sua adesão à teoria racista britânico-israelense, a crença no aniquilacionismo e sua insistência de que as línguas eram idiomáticas. 

11- Apesar do escândalo, Parham continuou pregando o Evangelho durante mais duas décadas, até morrer em 1929 aos 56 anos. 

12- Ainda em vida (por volta de 1910), viu a maioria dos Pentecostais abandonarem a   da sua noção de Xenolalia (línguas idiomáticas) como uma ferramenta de missões. 

13 de março de 2020

Os 4 Tipos de Pentecostais




Por Everton Edvaldo

Eu gostaria de propor uma classificação mais ampla para o termo "Pentecostal". Infelizmente, as que temos disponíveis não cobrem a maior parte das demandas. A do Robert Menzies por exemplo, classifica como Pentecostal com base apenas no critério teológico, o que certamente leva a uma definição deficiente e limitada quando aplicada no contexto brasileiro. Menzies afirma que "Pentecostal", é todo aquele que acredita que o livro de Atos fornece um modelo para a igreja, aliado à doutrina da Subsequência acompanhada inevitavelmente do falar em línguas, bem como da contemporaneidade de todos os dons espirituais e que o "Neopentecostal", é quem crê nos itens listados acima, menos na normatividade das línguas (MENZIES, 2016).

O problema é que a tradição e a teologia Pentecostal é muito rica para ser delimitada por definições tão simples. Aqui no Brasil, o Neopentecostalismo é um termo pejorativo para se referir a "cristãos" com teologias, pregações, costumes e liturgias heterodoxas. Então se referir a quem não acredita na normatividade das línguas como "Neopentecostal" no Brasil, é uma declaração infeliz.

Então vamos lá:

Pentecostal histórico: Que pertence a uma denominação de matriz Pentecostal, mas que não acredita nem na doutrina da Subsequência, nem na Evidência Inicial. É o caso por exemplo, do teólogo assembleiano Gordon Fee.

Pentecostal teológico: É aquela pessoa que abraça a Teologia Pentecostal, no entanto, sem pertencer a uma denominação Pentecostal. É o caso por exemplo, do teólogo Craig Keener que apesar de já ter sido assembleiano, hoje pertence a uma igreja batista.

Pentecostal histórico-teológico clássico. É o Pentecostal que pertence a uma igreja Pentecostal, e que acredita nos dois distintivos do Pentecostalismo: a Subsequência e a Evidência Inicial. Ex: a maioria dos assembleianos brasileiros e norte-americanos.


Pentecostal histórico-teológico brando. É aquele que pertence a uma denominação Pentecostal, e crê acredita nos dois distintivos, mas com ligeiras modificações. É uma confissão menos dogmática. É o caso do William Seymour tardio. Um exemplo de modificação é a questão das línguas. Há Pentecostais que creem nas línguas evidenciais como algo normal, mas não normativo. Ou seja, o Batismo normalmente é o acompanhado pelo falar em línguas, mas não normativamente.


Obs:

(01) Há cristãos que não pertecem a igrejas Pentecostais, mas que abraçam a doutrina da Subsequência, sem no entanto, abraçar a Evidência Inicial. Estes, devem ser vistos como simpatizantes da teologia Pentecostal, ou como Pentecostais teologicamente brandos.

(02) Esse desencontro entre a proposta do Menzies e o contexto brasileiro se dá  porque a taxonomia que se popularizou nosso meio, é diferente da Norte-Americana. Entre nós, os Neopentecostais foram classificados na terceira onda do Movimento. Contudo, o termo "Neopentecostal" é usado de forma diferente, fora daqui. O historiador Pentecostal Vinson Synan, por exemplo coloca os Neopentecostais na segunda onda ou fase do Pentecostalismo e usa esse termo para se referir à renovação nas igrejas protestantes bem como no catolicismo. 

12 de março de 2020

A Evidência do Batismo no Espírito pelas lentes Patrísticas



Por Everton Edvaldo

Gostaria de fazer um recorte histórico e um extrato  teológico da Patrística a partir de um texto do Stanley Burgess (no livro "Evidência Inicial") sobre como os antigos cristãos viam a doutrina do Batismo do Espírito Santo que naquela época era entendido (em sua maioria) como o momento de habitação ou recebimento do Espírito que podia acontecer no momento do Batismo em Águas ou depois.

Analisando esse assunto à luz de um espectro mais panorâmico podemos encontrar três caraterísticas gerais:

1- O Batismo no Espírito Santo era distinto da Conversão. 

2- Era o momento em que o Espírito vinha habitar no cristão. 

3- Quem o recebia, passava a desfrutar de vários efeitos extraordinários.

Vamos nos concentrar no terceiro ponto. 

Segundo Stanley Burgess (Uma das maiores autoridades em História do Pentecostalismo e Cristianismo Antigo), os cristãos primitivos (Orientais e Ocidentais) não estavam excessivamente preocupados com a evidência externa e inicial do enchimento do Espírito. Por outro lado, eles falaram bastante dos efeitos da presença do Espírito na vida cristã, mesmo que isso não seja destinado como provas do Batismo no Espírito (p. 29).

Esses efeitos, na maioria das vezes, inicialmente eram internos, e progressivamente se manifestavam externamente. 

Vejamos nos pais Ocidentais:

Para Tertuliano, os efeitos eram paz,  harmonia divina e iluminação pelo Espírito. Para Hipólito, o efeito era capacitação para serviço. Para Cipriano, era o aperfeiçoamento com o selo do Senhor. Para Ambrósio, era vida de santidade, pureza, inovação, e conformidade com a imagem de Deus. Como confirmação do batismo, havia selo da alma do cristão e a providência do dom sétuplo divino (Is 11.2) (p. 24-26).

Agora vejamos os pais Orientais. 

Para Cirilo de Jerusalém, o efeito é o crescimento em santidade, em sensibilidade espiritual, e em fortalecimento para combater poderes nefastos. Para Serapião, aquele que era batizado no Espírito, podia permanecer firme, inabalável, ileso e inviolável. Para Basílio da Capadócia, o Batismo marca o início da vida no Espírito e um dos primeiros estágios é a purificação dos pecados, seguido pela iluminação do Espírito e por último, a alma é levada para um estado de união perfeita com Deus. Para Efrém, o recebedor do Batismo está habilitado para transcender o reino temporal, entrando no tempo sagrado, transbordando também todos os limites da expectação humana. O próprio Efrém diz ter recebido o dom das lágrimas em grande abundância. Para Pseudo-Macário, a evidência da nova vida no Espírito inclui a consciência do processo divino em si mesmo, incluindo dons espirituais, choro e lamentação pelos seus semelhantes e amor pela humanidade. Para Isaque, Bispo de Nínive, era a ascensão da alma à Deus, entrando em estado de êxtase acompanhado do recebimento do dom das lágrimas. (p. 26-29)


4 de março de 2020

Você sabia que existiram Bispas, Presbíteras e Diaconisas na Igreja Primitiva?



Título Original: Mulheres Ordenadas na Era Patrística

Por Darrell Pursiful (Tradução: Everton Edvaldo)

A História - pelo menos a história oficial - é sempre escrita pelos vencedores. Por algum tempo, os defensores de uma visão institucional, hierárquica, ordenada e preeminentemente masculina da igreja foram, sem dúvida, os vencedores, e eles foram autorizados a enquadrar a discussão.

John Driver esboçou o que ele considera uma visão bíblica da história da igreja baseada no motivo do remanescente justo, 1 uma visão caracterizada por fraqueza e insignificância (Dt 2: 24-25; 6: 2-8). Cristo e sua igreja, que sofreram perseguição por interesses políticos e religiosos estabelecidos e se recusaram a dominar outros em troca, representam a continuação desse ideal.

No entanto, dentro de alguns séculos, o poder do império romano 'se casaria com a religião cristã, e muitos historiadores da igreja virariam essa visão bíblica de cabeça para baixo. Assim, Eusébio, e a maioria dos historiadores da igreja depois dele, ignoraram o motivo bíblico em favor de uma abordagem dinástica greco-romana. Então Driver conclui: “Devido às mudanças Constantinianas, a história da igreja cristã se tornou o que o Professor Dussel chamou de 'inversão anticristã'. A memória da igreja foi distorcida para servir aos propósitos dos poderes estabelecidos e suas instituições, e não às necessidades do povo cristão.” 2

As visões da hierarquia estabelecida foram, portanto, preservadas e as de seus oponentes ignoradas, se não ativamente suprimidas.

Mas não basta afirmar o que as autoridades "canônicas" decretaram - como se isso encerrasse o debate. Há evidências precoces de uma visão "feminizada" do Cristianismo. Celso, em seu True Discourse (c. 175), reclama que o Cristianismo era uma religião de mulheres e escravos. Mestres cristãos, afirma ele, “mudam as crianças e dizem-lhes que, se desejarem (valer-se de sua ajuda), devem deixar seus pais e instrutores e ir com as mulheres e seus companheiros de diversão para as casas das mulheres, ou à loja de couro, ou à loja de artigos mais completos, para que possam obter perfeição ”(Orígenes, Contra Celso, 3:55).

Celso não diz que as mulheres são líderes na igreja, mas ele reconhece sua importância dentro do movimento.

Crenças iniciais

Montanistas. No segundo século - pelo menos em algumas igrejas - as mulheres foram autorizadas a profetizar. 3 Isso era verdade para os montanistas, que também permitiam especificamente o clero feminino. Até seus inimigos admitiram que a teologia montanista era ortodoxa. Os montanistas enfatizavam ascetismo rigoroso e liberdade no Espírito de restrições institucionais. Além disso, como atestam os historiadores da igreja, os montanistas eram bastante ortodoxos, e as acusações de que eram hereges doutrinários são infundadas. 4

A análise de Schepelern sobre o montanismo conclui que os laços espirituais do movimento não eram os cultos pagãos, mas a tradição apocalíptica judaico-cristã. 5 O impulso profético tem um pedigree honrado na igreja primitiva. O Didache (c. 100) regula o ministério dos profetas itinerantes. Justino Mártir (c. 150) observou a presença contínua de profetas carismáticos em Roma. A Nova Profecia, que os montanistas chamavam de movimento, era um movimento de dissidência, não de heresia, uma reação contra a crescente institucionalização da autoridade eclesiástica. Em vez de seguir cegamente bispos e dogmas, os montanistas concentraram-se na "prática apostólica contínua". 6 Eles eram um movimento de protesto carismático que “defendia a formação de comunidades nas quais os cristãos podiam ouvir a voz viva do Espírito Santo”. 7

Os montanistas, apesar de todos os seus excessos, reivindicam tanto um pedigree do primeiro século quanto seus oponentes. Como uma comunidade judaico-cristã apocalíptica, eles tinham muito o que elogiar. Eles encontraram resistência das autoridades eclesiásticas justamente porque estavam procurando conservar o que a igreja institucional parecia querer jogar fora. A Nova Profecia "parecia muito com as primeiras expectativas e entusiasmos cristãos": 8 revelações proféticas, rigorismo moral, martírio, profecia de mulheres e explosões carismáticas espontâneas.

Figuras "montanísticas". Apesar da opressão sistemática da igreja institucional, o montanismo persistiu no século VI. A tensão profética continuou nas áreas rurais, mesmo quando sua influência diminuiu nas cidades. 9 Isso também era verdade nas comunidades universais:

As evidências para a continuação do dom de profecia nas igrejas universais são dispersas, mas reais, no segundo e terceiro séculos, e no que diz respeito à Frígia e províncias vizinhas, eu diria que a Nova Profecia não teria se apegado tão firmemente a eles, e se espalharam tão rapidamente, a profecia não era uma realidade em algumas congregações lá, embora diminuída ou perdida em outras. 10

Ambiguidade histórica. Figuras “montanísticas” são aquelas cuja filiação religiosa não é clara, uma categoria que pode incluir, entre outros, os mártires de Lyon de 177 - que rejeitaram ações individualistas que destruíam a unidade, mas que “de outra forma não eram desfavoráveis ​​à Nova Profecia” 11 - e Perpetua e Felicitas. 12

O fato da ambiguidade é relevante. Nenhuma dessas figuras é claramente montanista, e todas podem ser entendidas como católicas. Trevett observa: “O fato é que grupos cristãos, católicos e outros e até heréticos, estavam em estreita associação um com o outro... As demarcações cuidadosamente delineadas da concepção dos Pais servem para nos lembrar o quanto essas linhas de demarcação foram desconsideradas na prática.” 13

Tecla. Os Atos de Paulo e Tecla fazem parte dos maiores Atos de Paulo, escritos em 190 d.C. Tecla é aclamada como associada missionária de Paulo, que se batizou (4:34) e foi comissionada por Paulo para “ir e ensinar a Palavra de Deus” (4:41). Alguns cristãos apelaram para Tecla em apoio às mulheres líderes da igreja, incluindo o direito de batizar e ensinar.

Tertuliano se opôs a essa prática e condenou os Atos de Paulo (On Baptism, 17), observando que seu autor foi removido de seu posto como presbítero. Nem todo mundo concordou. Hipólito “evidentemente usa a obra sem questionar”. 14 Embora Eusébio não considerasse o livro canônico, também não o condenou como herético (História Eclesiástica 3:25). Rodorf conclui que foi um montanista que escreveu. Schneemelcher discorda, argumentando que não é possível demonstrar “ideias especificamente montanistas”. 15 Em vez disso, ele vê características que geralmente fazem parte da igreja do segundo século, incluindo ênfase no Espírito Santo, ascetismo e subestimação do papel de oficiais da igreja. 16

Outros dissidentes. Os montanistas e seus parentes não foram os únicos dissidentes iniciais.  Há evidências para outros, talvez bolsões isolados de resistência que se seguem.

Mulheres como diaconisas

Plínio, o Jovem, escrevendo para o Imperador Trajano por volta do ano 112, fala em deter duas ministras (Epístola 96). 17 Ministro (fem. Ministra) seria a tradução mais lógica Latina dos gregos para diakonos. O termo diaconisa pode ter se referido a um ofício administrativo neste momento, mas os estudiosos são incertos. 18 Sabe-se que um século depois havia um ofício de “diaconisa”. Existem 28 lápides conhecidas que homenageiam diaconisas.

Origem. A primeira referência específica à ordem das diaconisas está na Didascalia (250 d.C). As diaconisas floresceram na Síria e na Grécia do terceiro ao oitavo século. Teodoro de Mopsuestia (426 d.C) entendeu as diaconisas como uma ordem de origem apostólica. 19

Deveres. Quatro tarefas básicas foram atribuídas às diaconisas.

1. Pastoral. As diaconisas deveriam cuidar dos doentes e necessitados, especialmente as viúvas (Constituições Apostólicas 3: 7, 14). “Seja a diaconisa diligente no cuidado das mulheres; mas ambos [homens e mulheres] sejam prontos para transmitir mensagens, viajar, ministrar e servir... (Const. Ap. 3:19).

Elas também evangelizaram homens e mulheres em suas casas. Uma das razões originais para o envolvimento das mulheres foi obter acesso ao Evangelho nos aposentos das mulheres. Teodoreto de Ciro (466 d.C) fala de uma diaconisa em Antioquia que instruiu e converteu o filho de um sacerdote pagão durante o reinado de Juliano, o Apóstata (331-363 d.C). Ela é conhecida na história apenas como "Anonyma". 20

2. Ordem da Igreja. As diaconisas controlavam a admissão de mulheres estrangeiras na assembleia litúrgica (Const. Ap.  2: 57-58).

3. Batismo de mulheres convertidas. As diaconisas deveriam ensinar catecúmenos femininos em preparação para o exame pré-batismal. Elas também ungiam a catecúmena e a levavam ao batistério. 21 Wijngaards sugere que é possível (ou até provável) que a imersão tenha sido feita pelas diaconisas, enquanto as palavras foram ditas por elas ou pelo bispo ou padre do lado de fora do batistério. Ele propõe o seguinte como evidência:

A expressão “receber” (Const. Ap. 3:16) pode originalmente ter significado “imergir”. “Encontramos a expressão em alguns rituais batismais.” 22

O cuidado de que "ninguém veja" uma mulher catecúmena nua (Const. Ap.  3:15) e que a conferência do batismo seja feita "com decência" (3:16) parece exigir que a diaconisa faça a unção e a imersão. (O batismo nu era uma prática comum na igreja antiga). A Didascalia parece sugerir o seguinte: "Mas deixe um homem pronunciar sobre eles a invocação dos nomes divinos na água".

A oposição a “mulheres batizando” entre alguns Pais no Ocidente (por exemplo, Tertuliano), também presente nas Constituições Apostólicas 3: 9, reflete um envolvimento ainda mais direto de diáconos masculinos e femininos em alguma parte da igreja. Atto de Vercelli (900 d.C) chegou à mesma conclusão: “Acreditamos também no seguinte: que o ofício de batizar era obrigatório para as mulheres, para que os corpos de outras mulheres pudessem ser tocadas por elas sem nenhum sentimento profundo de vergonha” (Patrologia Latina 134: 114, Epístola 8). Com o aumento do batismo infantil, a modéstia feminina deixou de ser um problema e as mulheres deixaram de participar dos batismos.

4. Ministério no altar. Ajudar o presbítero na Comunhão era dever de um diácono do sexo masculino, mas as diaconisas não eram totalmente barradas do santuário. Na igreja síria, uma regra do século IX (refletindo uma tradição anterior) permitia que as diaconisas cumprissem as funções de um diácono masculino no altar, com a permissão do bispo. 23 O Testamento de Nosso Senhor (século V) declara que as viúvas (incluindo diaconisas) deveriam sentar-se ao lado do bispo durante o serviço litúrgico (1: 9). Se as mulheres grávidas não pudessem comparecer ao culto no domingo ou no dia da festa, as diaconisas “levam para casa a santa comunhão” (2:20).

Tiago de Edessa (final do século VI) registra uma regra antiga de que as diaconisas podem distribuir a Comunhão às suas companheiras se viverem em conventos: “Se uma diaconisa vive em uma comunidade de freiras e não há padre ou diácono, ela pode [pegar o] sacramento sagrado do tabernáculo e distribuí-lo às mulheres que são suas companheiras ou às crianças que ali estão” (Resoluções canônicas 24).

Ordenação. O Concílio de Nicéia declarou as diaconisas como "leigas", mas os conselhos posteriores discordaram. O Concílio de Calcedônia (451) reconheceu as diaconisas como uma ordem sacramentalmente ordenada e estabeleceu sua idade mínima em 40 anos. As Constituições Apostólicas 8:20 incluem uma oração pela ordenação de uma diaconisa.

Como foi observado, Theodore de Mopsuestia acreditava que a ordem tinha origens no primeiro século. Em 1 Timóteo 3:11, ele sugere que hôsautôs ("da mesma forma") só pode se referir a mulheres que fazem o mesmo trabalho que os diáconos. 24 Diáconos masculinos e femininos receberam uma “ordenação sacramental precisamente equivalente”. 25 Gryson afirma que “é indiscutível que as diaconisas faziam parte do clero. A participação delas no clero e somente com elas nos cumprimentos, ou seja, na distribuição dos pães não consagrados oferecidos pelos fiéis à Eucaristia, apoia claramente esse fato.” 26 Martimort concorda: “a ordenação das diaconisas era verdadeiramente sacramental.” 27

Wijngaards descreve o processo de ordenação diaconal:

Tanto [homens quanto mulheres] foram conduzidos ao santuário à frente do bispo, que estava sentado diante do altar. Ambos receberam a imposição de mãos pelo bispo, que invocou o Espírito Santo para transmitir a graça do ministério do diaconado, usando palavras idênticas. Ambos foram investidos de estola como um sinal distinto de seu ministério. Ambos receberam a comunhão do bispo e ambos receberam o cálice com o precioso sangue. O impressionante paralelismo recentemente fez com que o teólogo ortodoxo Evangelos Theodorou se juntasse a vários teólogos católicos ao declarar que o diaconato das mulheres era tão sacramental quanto o dos homens. 28

O fim das diaconisas no Ocidente

A heresia do priscilianismo atraiu muitas mulheres espanholas no quarto século. A resposta da igreja, no Primeiro Concílio de Saragoça (380 d.C), foi se opor às mulheres em qualquer tipo de papel de liderança.29 No entanto, foi preciso mais do que isso para acabar com as diaconisas. Durante a mesma época em que o ofício estava florescendo no Oriente, a igreja Ocidental estava tentando, aparentemente com pouco proveito, eliminá-lo.

O Concílio de Orange (441). “As diaconisas não devem ser ordenadas absolutamente; e se ainda houver alguma delas, incline a cabeça sob a bênção que é dada à congregação.” Volz opina que “a necessidade de proibir diaconisas é certamente evidência de sua existência.” 30

Lovocatus e Catihernus. Em 511, três bispos enviaram uma carta aos padres bretões Lovocatus e Catihernus, criticando-os por permitir que as mulheres tomassem o cálice nas mãos e distribuíssem o vinho ao povo durante os serviços eucarísticos. Este é um dever próprio de um diácono (masculino), e claramente vai além dos deveres tradicionais, mesmo de uma diaconisa oriental. 31

O Concílio de Epaon (517). Menos de uma década depois do incidente na Bretanha, outro concílio gaulês afirmou: “Estamos completamente suprimindo todo o espaço a consagração dessas viúvas que são frequentemente chamadas diaconisas.” 32

Segundo Concílio de Orleans (533). Ainda mais tarde: “Foi decidido que, a partir de agora, nenhuma mulher poderá mais receber a bênção diaconal, devido à fragilidade de seu sexo.” 33

Assim, em quatro ocasiões distintas, durante um período de 150 anos, a igreja ocidental tomou uma ação oficial para suprimir o ofício de diaconisa. Aparentemente, o esforço teve pouco sucesso, pelo menos em algumas regiões, a julgar pela necessidade de reiterar continuamente os pronunciamentos da igreja.

Mulheres como presbíteras

Os presbíteros gregos podem significar um "homem mais velho" em geral ou alguém de posição elevada na igreja. O equivalente feminino é presbytera ou presbytis, os quais ocorrem no Novo Testamento (1 Tim. 5:2; Tito 2: 3). Existem quinze inscrições conhecidas referentes a presbíteras.

O que é uma presbítera? Há alguma disputa legítima quanto ao significado adequado de presbíteros ou presbíticos. Pode-se argumentar que presbyterai (latino presbyterae) como termo eclesiástico é equivalente às “viúvas” mencionadas explicitamente no Novo Testamento (1 Tim. 5: 3-16). Algumas evidências posteriores apontam para presbíteras como um termo alternativo para uma abadessa.

Uma presbítera pode ser a esposa de um presbítero? Esse é um uso comum ainda hoje na Ortodoxia Oriental como uma designação para a esposa de um padre. Como a igreja Ocidental impôs o celibato clerical, pode-se argumentar que se eliminou a estrutura cultural necessária para a compreensão do termo. Portanto, não deveria nos surpreender que os ocidentais não tenham um quadro de referência adequado para interpretar presbíteras quando elas aparecem na evidência literária e de inscrição. Por causa dessas alternativas, não podemos simplesmente assumir que todas as presbíteras que encontramos eram de fato uma “anciã”. As evidências para as presbíteras devem ser cuidadosamente analisadas. Sendo assim, existe alguma evidência que uma presbítera era quem realmente ocupava o ofício? Três possibilidades sugerem que esse era o caso algumas vezes.

Leta. Na área de Tropea, em Bruttium (Calábria moderna), há uma inscrição de um sepulcro de meados do século V referente a “Leta presbytera”: “Leta, a presbítera, viveu 40 anos, 8 meses, 9 dias, para quem seu marido estabeleceu esta tumba. Ela o precedeu em paz no dia anterior aos idos de maio.” 34

Aqui está um caso em que um marido montou uma tumba para sua esposa, uma presbítera. Ou seja, o marido chamou sua esposa de presbítera sem reivindicar para si o título de presbítero. “Se Leta tivesse sido esposa de um presbítero, teríamos de inferir que o marido, que construíra o túmulo, se recusara a se designar como presbítero, a fim de conferir essa designação a sua esposa.” 35 Não há epígrafe paralela a tal ação. “Toda vez que um presbítero prepara uma tumba para sua esposa, ele se refere a ela como coniux [cônjuge] e às vezes amantissima [amada].” 36 Há um mandado de inscrição para o emparelhamento presbyteros-presbyteranos epitáfios de um presbítero e / ou de sua esposa, mas nunca para coniux- [cônjuge] presbytera ou vir- [marido ] presbytera. 37 A inscrição de Leta é, portanto, um pouco difícil de coincidir com a teoria de que todas as presbíteras eram esposas de padres. Além disso, Leta obviamente não era viúva, pois precedeu o marido na morte.

Flavia Vitalia. Outra presbítera foi registrada em uma inscrição em um sarcófago na Dalmácia e tem a data de 425. A inscrição diz que uma parcela no cemitério de Salona foi comprada da presbítera Flavia Vitalia. 38 Em Roma (pelo menos), essas transações foram realizadas primeiro pelos coveiros e depois por bispos e presbíteros. De acordo com Otranto, aqui "uma presbítera foi investida de um dever oficial, que a partir de um certo período foi apropriado para um presbítero". 39

Obviamente, isso não é uma evidência específica do ministério sacerdotal. No mínimo, essa inscrição atesta o papel ou função oficial da mulher na comunidade cristã. “Contratos desse tipo foram feitos diretamente com esse funcionário ... e não com a [esposa do presbítero].” 40 Então essa “esposa de um presbítero” estava lidando com assuntos administrativos e financeiros relativos às propriedades da igreja - tradicionalmente a competência de bispos e presbíteros? Isso é um pouco mais difícil de coincidir com a teoria das esposas dos sacerdotes.

Martia. Num graffito de Poitiers, na França, lê-se: “Martia, a presbítera, fez a oblação igualmente junto com Olybrius e Nepos” (Corpus Inscriptionum Latinarum 13.1183, n.). A data é incerta, mas pode ser já no século V. O texto em latim (Martia presbyteria ferit obblata...) pode ser interpretado no sentido de que Martia, como membra dos fiéis, trouxe os elementos eucarísticos não consagrados, tomando a presbyteria como um adjetivo que modifica obblata. Mas a presbiteria é equivalente a pres-bytera nos documentos de dois conselhos gauleses do século VI: Tours (567) e Auxerre (588). Assim, na mesma região e no mesmo período aproximado de tempo, os presbíteros é um sinônimo aceito para presbytera.

Deve-se perguntar também por que temos um registro da ação de Martia, a menos que houvesse algo digno de nota a respeito. Olybrius e Nepos “são quase certamente dois presbíteros que estavam oficiando na comunidade à qual Martia também pertencia; e é provável que essa mulher tenha colaborado com eles durante a celebração eucarística.” 41
Aqui encontramos uma presbítera "fazendo a oblação" igualmente com dois homens. Essa inscrição, acompanhada de evidências abundantes de tentativas de suprimir o ministério de mulheres diaconisas na Gália, nos dá uma pausa. Com Martia é quase impossível de conciliar a teoria das esposas de padres.

Presbíteras no sul da Itália. O papa Gelasius I (494 d.C) escreveu uma carta condenando os bispos que ordenaram mulheres ao sacerdócio. Segundo Gelasius, os bispos dessas regiões incentivavam as mulheres a “oficiar nos altares sagrados e a participar de todos os assuntos imputados aos ofícios do sexo masculino, aos quais não pertencem” (Epístola 14). 42.

Otranto acredita que essas proibições provam a perseverança das mulheres presbíteras no sul da Itália. “Se os conselhos da igreja proibiram a ordenação de mulheres como sacerdotisas ou diaconisas, isso deve implicar que elas realmente foram ordenadas.” 43 Caso contrário, por que as proibir? Como Otranto diz, "uma lei é criada apenas para proibir uma prática se ela realmente ocorrer - mesmo que apenas em algumas comunidades". 44

Atto de Vercelli. A oitava epístola de Atto responde a um padre que levantou a questão de como entender os termos presbytera e diacona nos cânones da igreja. Ele concluiu que, na igreja antiga, as mulheres às vezes, eram líderes de comunidades. “Essas mulheres chamadas presbíteras assumiram o dever de pregar, dirigir e ensinar” (Patrologia Latina 134, 114, Epístola 8).

Vale a pena citar a conclusão de Atto:

Portanto, como sua discrição o levou a perguntar como devemos entender os termos sacerdotisa ou diaconisa nos cânones, parece-me que, uma vez que na Igreja primitiva, de acordo com a palavra do Senhor, muitas eram as colheitas e poucos eram trabalhadores, para a ajuda dos homens, mesmo as religiosas foram ordenadas cuidadoras na santa Igreja. Isso é algo que o abençoado Paulo aponta em sua Epístola aos Romanos quando ele diz: Eu recomendo a você minha irmã Febe, que está no ministério da igreja em Cencréia. Entende-se isso porque, não apenas os homens, mas também as mulheres estavam encarregadas das Igrejas, com certeza por uma grande eficiência. Para as mulheres, há muito acostumadas aos ritos dos pagãos, instruídas também nas doutrinas filosóficas, foram convertidas mais prontamente por essas razões e mais facilmente instruídas sobre o culto religioso, sacerdotes ou presidentes a serem ordenados nas igrejas. 45

Atto considera a possibilidade de as presbíteras serem esposas dos presbíteros, mas rejeita essa interpretação como sendo improvável. Sua leitura das evidências é que, uma vez que a ordenação de mulheres foi permitida por necessidade, mas mais tarde foi proibida (especificamente, em 365, no Conselho de Laodicéia).

Assim, temos nada menos que três exemplos patrísticos de presbíteras que, pelo menos na superfície, parecem estar funcionando no papel de anciãs da igreja, um papa que conhece mulheres que servem nessa capacidade e um religioso medieval que acredita que mulheres presbíteras já foram permitidas na igreja.

Mulheres como bispas

No início, os termos bispo e ancião eram usados ​​de forma intercambiável. Mais tarde, uma clara distinção foi traçada. Existe alguma evidência para bispos mulheres?

Marta. O Museu Britânico tem um baixo-relevo funerário (número de arquivo 129203), rotulado como “Marta, uma freira de Palmyra”. Merrill Kitchen acha que o modo de sua representação lembra a postura artística clássica de um bispo. 46 Mais estudos são necessários para que a posição eclesiástica de Marta possa ser verificada.

Theodora. Em uma basílica romana do século IV dedicada às santas Pudentiana e Praxedis, há um mosaico representando quatro mulheres: duas santas, Maria, e uma quarta mulher com a inscrição Theodora Episcopa (bispa Theodora). 47 Theodora veste a túnica distintiva de uma mulher solteira. As evidências visuais e gramaticais apontam para Theodora como um bispo feminino, e a auréola quadrada que ela veste significa uma pessoa que ainda vive. Mas o final feminino (-a) em Theodora foi parcialmente apagado por arranhões nos ladrilhos de vidro do mosaico "levando à conclusão perturbadora de que foram feitas tentativas para desfigurar o final feminino, talvez até na antiguidade". 48

Brigid. Uma lenda do século VII sobre Brigid de Kildare (450-525 d.C) relata que, quando ela foi consagrada como freira, um evento surpreendente ocorreu:

Aconteceu então, através da graça do Espírito Santo, que a forma de ordenar um bispo foi lida sobre Brigid. MacCaille disse que a ordem de um bispo não deve ser conferida a uma mulher. Bispo Mel disse: “Não tenho poder neste assunto. Essa dignidade foi dada por Deus a Brigid, além de todas as mulheres.” Portanto, os homens da Irlanda desde aquela época conferem honra episcopal ao sucessor de Brigid. 49.

O que quer que possa ser feito desta história como história factual, pelo menos sugere uma tradição que, se o Espírito Santo decidir transformar uma mulher em bispo, os seres humanos não devem interferir.

Por que a ordenação de mulheres foi retirada?
A ordenação de mulheres foi sistematicamente contrariada a partir da segunda metade do século IV. A questão permanece quanto ao raciocínio por trás dessa reversão. Um fator importante foi sem dúvida um preconceito generalizado contra as mulheres.

Inferioridade das mulheres. Muitos pais da igreja consideravam as mulheres inferiores, fracas, tolas ou mentalmente deficientes. Irineu fala por muitos quando afirma que “a natureza e a lei colocam a mulher em uma condição subordinada ao homem” (fragmento 32). Epifânio considera as mulheres "uma raça fraca, indigna de confiança e de inteligência medíocre" (Panarion 79: 1). Outros Pais da Igreja falam das mulheres como “facilmente levadas e táticas”, 50 com “mentes inconstantes e vacilantes”. 51

Agostinho declara o caso de forma concisa:

É a ordem natural entre as pessoas que as mulheres servem a seus maridos e filhos a seus pais, porque a justiça disso reside (no princípio de que) o menor serve ao maior... Essa é a justiça natural de que o cérebro mais fraco serve ao mais forte. Essa é, portanto, a justiça evidente nas relações entre escravos e seus senhores, que aqueles que se destacam na razão, se destacam no poder. (Perguntas sobre o Heptateuco 1: 153)

Alguns foram além das afirmações gerais de inferioridade para afirmar que as mulheres nem sequer foram criadas à imagem de Deus. Isso é verdade, por exemplo, de Tertuliano (No Véu das Virgens 10) e de Ambrósio, que afirma categoricamente que as mulheres “devem cobrir a cabeça porque não são a imagem de Deus... Como alguém pode sustentar que a mulher é a semelhança de Deus quando está comprovadamente sujeita ao domínio do homem e que ela não tem nenhum tipo de autoridade?” (Em 1 Coríntios 14:34).

Culpa das mulheres. Foi frequentemente afirmado que as mulheres estão em um estado perpétuo de punição pelo pecado de Eva. O texto clássico sobre esse ponto é de Tertuliano, que afirma que toda mulher deve andar como Eva lamentando e arrependida, a fim de que, através da roupa de penitência, ela possa expiar mais plenamente o que ela deriva de Eva, a ignomínia, quero dizer, do primeiro pecado e o ódio (ligado a ela como causa) da perdição humana.

Nas dores e nas ansiedades tu geras [filhos], mulher; e para o teu marido está a tua inclinação, e ele a domina sobre ti.

E você não sabe que cada mulher é uma Eva? A sentença de Deus sobre esse seu sexo vive nesta era: a culpa deve necessariamente viver também. “Você é a porta do diabo! Você é o não selador dessa árvore [proibida]! Você é a primeira desertora da lei divina! Você é aquela quem convenceu aquele a quem o diabo não era valente o suficiente para atacar! Você destruiu tão facilmente a imagem de Deus! Por causa do que você mereceu - isto é, a morte - até o Filho de Deus teve que morrer! (Em roupas femininas 1: 1)

Os sentimentos de Tertuliano são apoiados por Ambrósio e por João Crisóstomo que ensinou que a sujeição de “toda a raça feminina” é uma punição permanente pelo pecado. “Pois a mulher ensinou o homem uma vez, e o tornou culpado de desobediência, e trouxe destruição e ruína... A mulher ensinou uma vez e arruinou tudo” (Homilia 9 em 1 Timóteo).

Impureza das mulheres. Torjesen demonstra a antiga tendência de ver as mulheres puramente em termos de sua sexualidade. 52 Em uma cultura em que o próprio sexo era frequentemente considerado "sujo", mesmo no casamento, essa é uma consideração importante. Tertuliano declarou que até os casamentos legais eram "contaminados pela concupiscência". Jerônimo, Agostinho e outros o seguiriam nessa avaliação. Agostinho igualou "prazer" durante a relação sexual com concupiscência. Mesmo no casamento, o sexo é um pecado, uma “falha venial”. Ao descrever o propósito de Deus em criar a mulher, Agostinho simplesmente não podia ver além de seu papel na produção de filhos:

Agora, se a mulher não foi feita para o homem e ser sua ajudante na criação dos filhos, em que ela deveria ajudá-lo? Ela não deveria cultivar a terra com ele, pois não havia trabalho para fazer a sua ajuda necessária. Se houvesse tal necessidade, um ajudante masculino seria melhor, e o mesmo pode ser dito do conforto da presença de outra pessoa, se Adão estivesse cansado da solidão. Seria mais agradável dois amigos do sexo masculino, em vez de um homem e uma mulher que desfrutam de companhia e conversa em uma vida compartilhada. E se eles tivessem que fazer um arranjo em sua vida comum para que um ordenasse o outro a obedecer, a fim de garantir que as vontades opostas não perturbassem a paz da família, haveria uma classificação adequada para garantir isso, uma vez que um seria criado primeiro e o outro segundo. (Sobre o significado literal de Gênesis 9:56)

O lócus da suposta impureza ritual das mulheres às vezes era identificado com a menstruação. Isso não era verdade sempre e em toda parte - a Didascalia refuta especificamente essa ideia -, mas em alguns pais essa ideia foi disseminada. Dionísio de Alexandria (241) decretou que “as mulheres menstruadas não devem ir à Mesa Santa, nem tocar no Santo dos Santos, nem ir às igrejas, mas orar em outros lugares”. Os concílios posteriores continuariam a restringir a participação das mulheres na igreja por conta de menstruação no século VII.

Algumas Observações

Ao discutir a ordenação de mulheres, muitos se contentam em citar as poucas passagens em que os primeiros clérigos simplesmente citam passagens do Novo Testamento que parecem restringir as mulheres. A questão de se eles estão interpretando essas passagens corretamente, ou se eles podem possuir algum tipo de preconceito, não está em lugar algum.

Essa omissão é metodologicamente suspeita, para dizer o mínimo. Isso implica que os decretos dos pais contra as mulheres provêm de uma leitura de valor em face do Novo Testamento e não somos de forma alguma informados por outros fatores. Mas Tertuliano, Agostinho e o resto eram seres humanos falíveis com preconceitos manifestos contra as mulheres. Uma vez que admitimos que consideravam as mulheres mentalmente inferiores, sob o castigo de Deus, e impuras por causa de sua sexualidade, devemos revisitar suas declarações contra as mulheres ministras. Se eles estão certos sobre restringir as mulheres, eles estão certos sobre o porquê. Se vamos aceitar as restrições de Tertuliano, temos que aceitar sua misoginia também.

Interesses eclesiásticos adquiridos favorecem essas visões há muitos séculos. Cabe ao leitor discernir se os Pais também falam por "o menor destes". O povo comum de Deus deve estudar a questão de maneira bíblica, histórica e teológica, com as seguintes observações em mente:

1. Não existe endosso inequívoco de mulheres presbíteras por nenhum pai da igreja e, de fato, há muita resistência à ideia. Mas também não há motivo para os chamados complementaristas se alegrarem. Não há espaço para um argumento “igual em essência, mas diferente em função” nos escritos dos Pais. Eles estavam de fato bastante claros de que a razão pela qual a ordenação de mulheres era proibida era a inferioridade, culpa e impureza das mulheres.

2. Aqueles que apoiam as mulheres diaconisas encontram bastante apoio nas evidências patrísticas. De fato, a recém-formada Igreja Ortodoxa Carismática ordena as mulheres diaconisas, apesar de limitar o sacerdócio e o episcopado aos homens. 53

3. Há evidências de uma prática, cada vez mais criticada, mas continua, de ordenar mulheres anciãs. Os dissidentes continuaram a ordenar mulheres para todos os níveis do clero, em todas as partes do império e ao longo da era patrística. A continuidade da polêmica sugere que a ordenação de mulheres era uma questão que não desaparecia.[1]

Notas

  1. John Driver, Radical Faith (Pandora, 1999), 14-16.
  2. Ibid., 18.
  3. Justo C. González, The Story of Christianity, vol. 1 (Harper & Row, 1984), 76.
  4. Everett Ferguson, ed., Encyclopedia of Early Christianity (Garland, 1990), 622. See also Driver, 55; González, 77; and Walter H. Wagner, After the Apostles (Fortress, 1994), 123.
  5. W. H. C. Frend, The Rise of Christianity (Fortress, 1994), 254.
  6. Driver, 55.
  7. Ibid.
  8. Wagner, 123.
  9. Frend, 256.
  10. Christine Trevett, Angelic Visitations and Speech She Had: Nanas of Kotiaeion. Retrieved September 19, 2000, from the Web: ">www.acu.edu.au/Earlychr/trevett.htm>.
  11. Frend, 256.
  12. González, 83.
  13. Trevett.
  14. Wilhelm Schneemelcher, New Testament Apocrypha, vol. 2, trans. R. McL. Wilson (Westminster/John Knox, 1992), 215.
  15. Ibid., 235.
  16. Ibid.
  17. Henry Bettenson, ed., Documents of the Christian Church (Oxford, 1967), 4.
  18. Ferguson, 941; Carl A. Volz, Pastoral Life and Practice in the Early Church (Augsburg, 1990), 193.
  19. Volz, 199.
  20. John Wijngaards, Women Deacons in Historical Records. Retrieved September 12, 2000, from the Web: ">www.womenpriests.org/traditio/deac_rec.htm>.
  21. John Wijngaards, The Woman Deacon’s Role at Baptism. Retrieved September 12, 2000, from the Web: ">www.womenpriests.org/traditio/deac_bahtm>.
  22. Ibid.
  23. John Wijngaards, A Woman Deacon’s Service at the Altar. Retrieved September 12, 2000, from the Web: ">www.womenpriests.org/traditio/deac_alt.htm>.
  24. Volz, 199.
  25. John Wijngaards, “When Women Were Deacons,” The Tablet (8 May 1999) 623-624. Retrieved September 12, 2000, from the Web: ">www.womenpriests.org/traditio/deac_tab.htm>.
  26. Quoted by Volz, 196.
  27. Ibid.
  28. Wijngaards, “When Women Were Deacons.”
  29. Volz, 200.
  30. Ibid.
  31. Giorgio Otranto, “Priesthood, Precedent and Prejudice: On Recovering the Women Priests of Early Christianity,” trans. Mary Ann Rossi, Journal of Feminist Studies 7 (1991) 73-94. Retrieved September 19, 2000, from the Web: ">www.womenpriests.org/traditio/otran_1.htm>.
  32. Volz, 200.
  33. Ibid.
  34. Richard and Catherine Kroeger, Women Elders . . . Called by God? (Presbyterian Church [U.S.A.], 1992), 21.
  35. Otranto.
  36. Ibid.
  37. Ibid.
  38. Kroeger and Kroeger, 20.
  39. Otranto.
  40. Ibid.
  41. Ibid.
  42. Kroeger and Kroeger, 18.
  43. Otranto.
  44. Ibid.
  45. Mary Ann Rossi, trans., Letter of Atto, Bishop of Vercelli, to the Priest Ambrose. Retrieved September 19, 2000, from the Web: ">www.womenpriests.org/traditio/atto.htm>.
  46. Merrill Kitchen, personal communication, September 4, 2000,.
  47. Karen Jo Torjesen, When Women Were Priests (HarperCollins, 1993), 10.
  48. Ibid.
  49. Quoted by Michael Mitton, The Soul of Celtic Spirituality (Twenty-Third, 1995), 99.
  50. John Chrysostom, Homily 37 on 1 Corinthians.
  51. Jerome, Letter 130 to Demetrias.
  52. Torjesen, 210.
  53. The Charismatic Orthodox Church. FAQ. Retrieved November 30, 2000.



[1] Esse artigo foi traduzido livremente e pode ser encontrado em sua versão original aqui: https://www.cbeinternational.org/resources/article/priscilla-papers/ordained-women-patristic-era.