29 de setembro de 2019

Deus concede dons ministeriais às mulheres? Uma Perspectiva Paulina.





Por Everton Edvaldo
Introdução: Há algum tempo venho defendendo que as mulheres podem exercer cargos de liderança na igreja e que a ordenação na verdade é um reconhecimento humano de uma separação/vocação-dom para o serviço do Reino. Partindo desse ponto de vista, o tom das discussões ficaria menos inflexível, pois uma vez que o dom é realmente o que caracteriza ou dá sentido à ordenação, resta-nos saber se há no N.T evidências de que Deus derramou esses dons para as mulheres e boa parte do debate já estaria encaminhado. 

Pois bem, quando lemos as cartas Paulinas, a impressão rápida que se tem é de que Paulo é contra as mulheres no ministério ordenado. Porém, um olhar mais cuidadoso e minucioso revelará que as resoluções de Paulo para a exclusão ou abrandamento do papel da mulher na congregação reflete situações e configurações específicas que se estudadas pormenorizadamente com seu contexto, na verdade nos levará para outra direção e não a de que Paulo era contra as mulheres no ministério. 

Uma das ideias que favorece a visão de que Paulo não era contra, é a estruturação que ele faz em Efésios 4.11, onde ele diz que Deus concedeu dons aos homens. Que dons são esses? 

Ele deixa claro: apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres (pastores-mestres). Todos são dádivas de Deus para sua igreja.

O interessante que Paulo usa uma expressão grega "antropos" que nesse contexto, é um termo genérico para designar  homem/mulher ou simplesmente humanidade. 

Esses dons ou dádivas de Efésios 4.11, não são explicados ou desenvolvidos nessa epístola, é em 1 Coríntios que teremos escrito um mini-discurso sobre alguns desses dons.

Pois bem, em 1 Corintios encontramos base para afirmar que Deus concede dons às mulheres? Veremos que sim. 

1. Pano de fundo geral

Mas antes, precisamos desmitificar algumas ideias que impedem o leitor de compreender melhor o escrito Paulino e a intenção autoral. 

Por exemplo, é comum no estudo dos dons, dividirmos sistematicamente em dons ministeriais e espirituais. Porém, essa distinção não é originalmente Paulina, mas simplesmente pedagógica e metódica (1 Co 12.4) feita para facilitar  o estudo pormenorizado do assunto. 

Na Bíblia, vemos que todo dom é em certo sentido ministerial porque está a serviço da igreja e espiritual porque procede do Espírito. Então todo dom "espiritual" também é ministerial e todo dom "ministerial" é espiritual. 

Outra coisa que é comum, é tentar enxergar as listas que Paulo faz dos dons, como sendo exaustivas, algo que nunca se passou pela mente do escritor. Elas são apenas ilustrativas. O que não são: restritivas, ilustrativas nem estão em ordem hierárquica. 

2. A inclusividade dos dons do Espírito

No capítulo 12 em diante da epístola aos Coríntios, Paulo está se dirigindo a toda a congregação. Ele começa a construir o argumento de que "todos foram batizados no corpo pelo Espírito Santo." Ele da uma dimensão pneumatológica no que diz respeito à entrada do convertido ao corpo e explica como funciona esse processo. 

Uma coisa interessante é que ele se dirige a todos da congregação sem impor limites de gênero, cor ou condição social para o recebimento do Espírito. Isto é, o Espírito não leva em conta essas coisas na atividade do corpo. Então após levantar a questão inclusiva, Paulo agora faz uma digressão para falar da diversidade do trabalhar do Espírito em cada uma das pessoas mencionadas anteriormente, ou seja, todos (homens e mulheres) e deixa claro algumas coisas, como por exemplo:

1- Há diferentes formas de atuação e diversidade dos dons que são ministrados pelo Espírito. E ele efetua tudo isso em todos (12. 5,6).

2- Eles são concedidos visando o bem comum (12.7). 

3. Ele distribui a cada um (homem ou mulher) como quer (vontade soberana), cf 12.11, pois todos foram batizados pelo Espírito Santo, logo, todos beberam de um único Espírito Santo (mensagem inclusiva), cf. 12.12. 

Tendo em vista que não há distinção bíblico-conceitual para dons espirituais/ministeriais e que Paulo não é exclusivo quanto à distribuição de dons apenas sobre os homens, mas pelo contrário, ensina que são concedidos a todos e cada um conforme a vontade do Espírito, é óbvio então que Paulo não exclui a mulher de receber qualquer dom, incluindo até mesmo os ditos "dons ministeriais".

Isto é, para Paulo, Deus pode e concede "dons ministeriais" a homens e mulheres.

Negar isso, é negar que 1 Co 12-14 é uma mensagem para homens e mulheres que compõem a igreja. 

Talvez alguém ofereça resistência ao pensamento de que no ensinamento Paulino, a distinção entre dons e ministeriais não é introduzida. 

Porém, o maior argumento a favor disso, se encontra em 1 Co 12.27. Nele, não há distinção teológica ou de gênero algum. Todos são colocados debaixo do mesmo pacote. Separar aquilo que Paulo não separou ou excluir as mulheres dessa mensagem é mutilar a própria natureza e contexto da perícope. Ou você vai dizer que quando Paulo diz assim: "Sigam o caminho do amor, e busquem com dedicação os dons espirituais, principalmente o dom de profecia" (14.1) ele estava se referindo apenas a homens, não é mesmo?

Então está claro que de acordo com o pano de fundo dessa passagem, todos (homens e mulheres) podem receber dons da parte de Deus(ministeriais e espirituais ou de qualquer outra ordem).

Outra evidência incisiva de que Paulo ensinou que mulheres podem receber dons ministeriais, é a passagem que fala da mulher como profetisa (11.5).

Alguém pode argumentar que essas mulheres podiam profetizar (exercer os dons de profecia), mas que de forma alguma isso tinha uma ligação com o dom de profeta de Efésios 4.11, por isso não podem ser chamadas de profetisas e portanto, não recebem dons ministeriais. 

Bem, essa objeção não se sustenta à luz da própria epístola aos 1 Coríntios que deixa claro que profeta é aquele que profetiza (14.29). É talvez o único dom de Efésios 4.11 que é explicado conceitualmente nessa epístola.

O profeta de Efésios 4.11, seria alguém que é usado com certa frequência no dom de profecia e tendo em vista que Paulo diz que as mulheres podiam profetizar, é óbvio então que elas eram profetas. Todas que tivessem o dom podiam profetizar (14.31), mas nem todas as mulheres da igreja tinha esse dom (12.29). 


Essa dinâmica se aplica aos demais dons (em Rm 16.7, temos um apóstola chamada Júnia) embora Paulo tenha focado na questão profética. 


3. Porque Paulo proíbe as mulheres de falar na igreja no final do capítulo 14?


Muitas pessoas costumam me fazer essa pergunta quando trato desse assunto. Após o término da exposição de 1 Co 12-14, alguém pode dizer: Se Deus concede dons ministeriais às mulheres, porque ele proíbe a mulher da falar na igreja no final do capítulo 14?


Os estudiosos discutem bastante o que esse texto significava para Paulo e o que ele significa para nós hoje. Porém, uma coisa é fato: há uma distância abissal entre nosso pensamento, cultura e sociedade da de Paulo. Então temos diante de nós um desafio: montar um quebra cabeça com apenas poucas peças. 


Alguns estudiosos sugerem que essa passagem é na verdade, um aplicativo circunstância para corrigir um problema que existia na igreja dos coríntios. E que problema era esse? Possivelmente, as mulheres (alguns vão dizer que eram novas convertidas mal instruídas) atrapalhavam o culto, fazendo perguntas. Na ânsia de aprender, acabavam perturbando a ordem do culto. Digo possivelmente, porque ninguém sabe realmente qual foi o motivo. Paulo não deixa claro. Ele simplesmente aplica uma resolução sem dizer especificamente o porque e nem precisava, pelo menos não aos Coríntios, uma vez que eles sabiam o que era. Não há dúvidas de que esse problema com as mulheres, porém, estava ligada à questão da ordem e da decência, por conta do contexto.


Uma vez que esse problema não existe em determinadas Igrejas, não se faz mais necessário a aplicação dessa resolução. O que fica é o princípio da ordem e da decência. 


Apesar das dificuldades de interpretação, é nítido que uma coisa é o que Paulo escreveu, outra coisa é o que ele quis dizer e outra é o que eu entendo. Contudo, o que eu entendo não pode está à mercê dos meus apetrechos ou teológicos. 


Um exemplo disso é que algumas pessoas que acreditam que essa passagem de Paulo é contra a participação da mulher na liderança, costumam usar passagens de paulinas que aparentemente são contra a liderança feminina na Igreja. Interessante que essas mesmas passagens, se colocadas em prática em sua completude nos dias de hoje, impedem a mulher não somente de ser pastora, mas também de ser professora de EBD, pregar na igreja e Dirigente Círculo de Oração.


Essas mesmas passagens falam que a mulher deve profetizar com a cabeça coberta (1 Co 11.5), que não podem ensinar na igreja (1 Tm 2.12), exceto a outras mulheres (Tt 2.3-5) e que não podem nem mesmo cantar, visto que o canto congregacional é ensino conforme (Cl 3.16). 


O mais interessante é que essas passagens são interpretadas como sendo aplicativos circunstanciais quando o assunto não é sobre o Ministério Feminino. Chamo isso de desonestidade ou ignorância?

Ou seja, o final de 1 Co 14, não oferece nenhuma resistência, muito menos está em conflito com a ideia de que Deus concede dons ministeriais a mulheres.

Conclusão: Assim como nem todos que estão na liderança da igreja, possuem a vocação para o ministério ordenado, o mesmo pode ser dito no caminho inverso. Sim, há pessoas que possuem dons ministeriais, mas que nunca serão ordenadas na vida. Talvez esteja na hora da igreja atentar melhor para essa questão, pois, se Deus dotou também as mulheres com poder, então é nítido que elas podem subir ao poder. Sim, existem milhares de mulheres "apóstolas", "pastoras", "profetizas", "evangelistas" pelo mundo, que mesmo sem a ordenação, não deixam de exercer o seu chamado! A história está repleta de evidências disso! Sim, as mulheres nunca dependeram de titulação para trabalhar, mas penso que as o cristianismo seria muito mais abençoado se as mulheres tivessem tanta liberdade ministerial quanto os homens. Se Deus as dota de dons "espirituais" e "ministeriais", porque não reconhecer isso, como fazem com os homens? Esse texto é apenas uma reflexão-provocativa com o intuito de fazer com que os leitores pensem melhor sobre esse tema. Que Deus abençoe a todos!

2 comentários:

  1. Enquanto confundir dons ministeriais de ofícios/funções eclesiásticas, não compreenderão que Deus dispensa dons a homens e mulheres, não podemos elitizar os dons. Por outro lado não existe nenhuma base bíblica nem na história da igreja em que mulheres foram ordenadas a liderança de igreja.
    O único ofício respaldado é o de diaconisa. Exemplo: o dom de apóstolo é dispensado atualmente, porém não se nomenclatura "apóstolo (a)" para não aludir ao colégio apostólico. O apóstolo Paulo tinha este dom, mas o seu ofício era presbítero, assim como era o apóstolo Pedro. Apóstolo em português é "enviado". Presbítero é o ofício de supervisionar, cuidar liderar. Isso vale para: Bispo Ancião e Pastor.
    Mulheres que recebem o dom de pastor, são aquelas que tem de Deus o cuidado com as almas, elas guiam, orientam etc. Mas não lideram a igreja como um todo. Em nenhum lugar da Bíblia ou da história patrística da igreja se ver mulheres em ofícios de Anciã, Presbitéra, Bispa, Pastora etc.
    Todos são dons Espirituais porque vem de Deus. Mas há diferença nos dons, são eles:
    dons Ministeriais
    dons Espirituais
    dons de Serviços
    E tem os ofícios que não é dom: diaconato, presbitério, episcopado etc. Mas são ministérios como disse Paulo que há diversidade de ministérios.
    Deus abençoe a todos!

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  2. Aqui fica nítido a separação do Dom Ministerial de ofícios eclesiásticos (mesmo sendo ministérios).


    " O crescimento das igrejas, como fruto da evangelização e do discipulado, exige a delegação de atividades a pessoas que tenham condições de liderar o rebanho do Senhor Jesus (Tt 1.5,7). Os pastores não podem abarcar tudo para si, sob pena de não darem conta das inúmeras responsabilidades que a igreja local requer. Como a referência a presbíteros, no NT, sempre é feita no plural “presbíteros”, “bispos” ou “anciãos”, dá a entender que, em geral, o presbítero não agia isoladamente, mas como um corpo de ministros, ou de líderes, que cuidava da igreja local. “Sempre são citados no plural, isto é, não é mencionada uma só igreja onde houvesse apenas um presbítero (At 11.30; 15.2,4,6; 20.17; Tg 5.14; 1 Pe 5.1)”. Certamente, pela inexistência de pessoas qualificadas com o dom ministerial de pastor, havia a necessidade de uma liderança, formada por um grupo de irmãos mais idosos, para cuidar da igreja local. Entende-se, assim, que os presbíteros têm um ministério de grande importância, auxiliando os pastores, designados por Deus para apascentarem e cuidarem da Igreja do Senhor sob seus cuidados.

    A missão do presbítero é de tanta importância que o Novo Testamento dedica vários textos a respeito das qualificações que se devem exigir dos obreiros que são escolhidos para essa função ministerial. Não é um “dom de Deus”, como já vimos no estudo sobre Efésios 4.11.
    Mas é um ministério, no sentido a que Paulo se refere, ao dizer que “há diversidade de ministérios” (1 Co 12.5)."

    Livro Dons Espirituais e Ministeriais do Pr. Elinaldo Renovato pág 131

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